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GRAMSCI E O PRÉ-SAL-SAL NA CRISE BRASILEIRA
Acadêmico: Luiz Carlos Lisboa
"A origem de muito que nos inquieta e até desespera se mostra então vaga, e como tal sugere mais dúvidas. Que dizer dessa perplexidade quando é o destino de um país e de um povo que está em jogo? "


Nem sempre é fácil entender logo os componentes de um drama, de uma doença ou de uma crise moral e psicológica que se abate sobre uma vida ou uma nação. Onde muito se fala, pouco se ouve e menos ainda se medita a respeito do que está ocorrendo, o dia a dia aparece eivado de sofrimento e dor. A origem de muito que nos inquieta e até desespera se mostra então vaga, e como tal sugere mais dúvidas. Que dizer dessa perplexidade quando é o destino de um país e de um povo que está em jogo?
Aqui, neste País e em nosso tempo, onde nem sempre as coisas se mostraram claras, alguns pontos havia que ninguém negava. Entre esses o de que estivemos por muito tempo anestesiados e o que nos tirou desse sonambulismo foi o susto com os escândalos do Mensalão e do Petrolão, na paisagem sombria mas exata da operação Lava Jato. Só nos faltava o modo adequado de lidar com a enormidade que assomava no horizonte. Como Horácio nos resumiu com precisão latina no seu modus in rebus, o de que se precisava realmente era identificar o inimigo, travestido de fraude, incompetência e má fé. E este, como dizia Conan Doyle, era um trabalho para o Judiciário.
O Brasil de hoje, incompreensível para estrangeiros apesar do heróico esforço do New York Times e de outros, é produto de entusiasmos que se ainda não esmaeceram de todo, há muito já agonizam em meio a milhões de novidades e esperanças que se amontoaram em nossas cabeças. Tudo acontece mais depressa agora, e as tensões são mais agudas graças às máquinas espertas que nos ajudam a pensar o mundo, todas no fundo concebidas por nossa ansiedade. Mas de que vale a pressa se a capacidade humana de distinguir e de classificar a realidade continua a mesma da época em que o homem inventou a roda?
Traídos pelo cansaço, não nos advertimos da arremetida e da transitoriedade de nossas paixões e interesses, perdendo a medida de sua influência na criação de novos valores. Isso é tudo o que fazemos, sem perceber como o fazemos. O que nos impressionou antes aparece depois como nascido do nada, privado de paternidade, inventado por capricho. E o chão parece fugir sob os nossos pés. A verdade é que a origem das coisas emerge vaga porque nos falta a paciência devida para sondar sua origem e sua evolução. A descoberta do pré-sal na costa brasileira incendiou a imaginação dos governantes do País, trazendo a ilusão de prosperidade eterna com que sonhamos sempre. Mas Deus não era brasileiro, c omo muitos queriam acreditar gastando por conta. Crer naquilo que se deseja ardentemente é próprio das crianças, mas ocorre com frequência também em adultos. Agora já se sabe que não há mais mercado para o petróleo no mundo, e investir nele hoje é quase mau negócio certo.
Se a descoberta do pré-sal relaxou os constrangimentos fiscais do governo brasileiro, como o Tribunal de Contas nos revelou com indignação, isso aconteceu porque os bruxos inventores de pedaladas nas torres de Brasília, no fundo queriam acreditar que a prenda vinha do céu. Ou era uma tendência histórica (talvez como a luta de classes), ou qualquer coisa inventada na Comuna de Paris, na metade do século XIX, que serviu para embalar várias gerações. Mas nos tempos modernos, subsequentes da Queda do Muro de Berlim, a nomenclatura progressista que veio com Gramsci três décadas antes, mudou a tática do ataque à economia de mercado. A adaptação ideológica daquele intelectual prisioneiro de Mussolini deu n ovas lições aos guerrilheiros e guerrilheiras, segundo as quais pode-se vencer a democracia liberal falando macio e abrindo espaços.
Assim aprendeu e acreditou nossa presidente, que aposentou o Que fazer? de Lenin e abraçou o breviário de Gramsci. A lição agora era assim: a ruína interna de um país é uma etapa necessária no caminho do socialismo, e se o revolucionário está no alto do poder, tanto melhor. Um presidente reeleito há pouco é uma ponta de lança gramsciana perfeita, que não deve ser vista como antiquada ou antidemocrática. Há muitos registros na História de comandantes que puseram a pique o próprio barco. E o aríete de Gramsci tem outros usos visando a tomada do poder, inclusive o convencimento paulatino e bem argumentado de que só o Estado pode resolver os problemas criados pelo Estado. Infiltra& ccedil;ão foi sempre um bom caminho para a vitória. Ocupar os espaços é outro preparo de um xeque mate habilidoso. Daí nasceu a arte de dominar de cima para baixo, depois substituída pela arte de dominar de baixo para cima. Ocupar os espaços era a grande missão do governante gramsciano. Daí a arte de nomear e a de negociar com essa nomeação. Candidatos não faltam, nesse lance que beneficia a presidente e imola a decência.
O que nos vai salvar dessa virada lenta e espasmódica no Brasil é a incompetência dos agentes em lidam com a ocupação de espaços, essa outra obsessão de Gramsci. Nada é mais fácil de entender e de perdoar do que o despreparo daqueles que nos assaltam e devoram lentamente. O estouvamento de um governo mal intencionado é algo que suas vítimas devem receber como uma dádiva do Alto, mesmo quando a fera é difícil de desistir da presa. Não há nada que os radicais desejem com maior empenho do que uma eventual radicalização dos democratas. Que esperem em vão. Porque é como vítimas que eles prosperam e se fortalecem. Dentro da lei estão todos os recursos para deter os desonestos que n&a tilde;o conseguem conviver com a liberdade porque sua fé não se concilia com ela. Seguir o caminho reto da lei é indispensável, ainda que para isso seja preciso penar um pouco na meia luz em que vive o totalitário, usando o duplipensar na sua fala, como bem descreveu George Orwell na sua ficção sombria sobre a vitória da mentira num mundo que trapaceava com as palavras.





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