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![]() Acadêmico: José Renato Nalini A vaidade é uma companheira permanente de seres que poderiam completar suas qualidades com a coroa da singeleza e da descrição. Mas a humanidade é assim. Claudica e repete vícios pequenos, sem deixar de prestigiar os grandes
O talento gosta de elogio Não é comum que ao talento se acrescente modéstia e humildade. O contrário é mais comum. As pessoas querem ser reconhecidas, admiradas, louvadas e elogiadas. Grandes espíritos em todos os setores não repudiaram a corte dos áulicos, não menosprezaram o cordão dos acólitos, nem evitaram excessivas demonstrações de uma admiração nem sempre espontânea. A matéria de que é feita o ser humano está longe de ser incorruptível. A vaidade é uma companheira permanente de seres que poderiam completar suas qualidades com a coroa da singeleza e da descrição. Mas a humanidade é assim. Claudica e repete vícios pequenos, sem deixar de prestigiar os grandes. Há muitos episódios que evidenciam essa queda natural pela adulação. Um deles envolve Carlos Magalhães de Azeredo (1872-1963), que estava a escrever um artigo sobre Eça de Queiroz (José Maria Eça de Queiroz – 1845-1900), na redação da “Revista Contemporânea” em Paris. Foi quando ali apareceu o próprio Eça de Queiroz, à procura de Eduardo Prado (Eduardo Prado da Silva Prado – 1860-1901), que seria o seu modelo para o Jacinto de Tormes de “A Cidade e as Serras”. Como Eduardo Prado ali não estivesse, Eça foi embora. Não sem antes perguntar a Magalhães de Azeredo o que estava a escrever. Quando soube que era um elogio a ele, Eça de Queiroz, não se fez de rogado: - “Pois carregue-lhe no adjetivo, menino! Carregue-lhe no adjetivo!”. Foi atendido em sua pretensão. O elogio publicado na “Revista Contemporânea” excedeu-se em adjetivação encomiástica do grande autor de “O Crime do Padre Amaro”. Ainda que Eça não tivesse postulado o exagero na apreciação de sua obra, os elogios seriam espontâneos, tamanha a admiração que o grande português suscitava em seus leitores. Era desabrido, sarcástico, irônico. Bem a gosto da mocidade rebelde e inquieta. Assim também foi com Graça Aranha (José Pereira da Graça Aranha – 1868-1931), que se encantou com Tobias Barreto de Menezes (1839-1889), o combativo filósofo, poeta, crítico e jurista brasileiro, um dos fundadores da Escola do Recife e do condoreirismo brasileiro. A ponto de assistir ao concurso de Tobias Barreto para se tornar professor da famosa Faculdade de Direito do Recife. Desde logo, deslumbrou-se com o fulgor do mestre, de quem jamais viria a se separar, no plano intelectual. Tobias Barreto já arrebanhara um pugilo de fiéis seguidores e de entusiastas admiradores. Adentrava ao recinto da arguição sob o delírio das ovações. A cada resposta, sua desenvoltura e a vastidão de sua cultura, o fulgor de sua exposição e o desembaraço aguerrido de suas réplicas provocava o entusiasmo da juventude, sempre à procura de um líder. Graça Aranha participou de todas as etapas do concurso. No último dia, não conseguia coibir sua exaltação. Tanto assim que não resistiu e saltou as grades que separavam assistência e banca e atirou-se nos braços de Tobias. Este ficou emocionado com a reação do jovem e o convidou para ir à sua casa à noite, quando receberia alguns amigos. E é óbvio que Graça aceitou o convite, para ele uma intimação. À noite, lá estava a celebrar a vitória de Tobias Barreto, fascinado com a têmpera de seu caráter e com a consistência de sua cultura. Assim prosseguiu pela vida afora. E quando foi criada a Academia Brasileira de Letras, Graça Aranha não hesitou em escolher Tobias Barreto como seu patrono na Casa de Machado de Assis. Esse ardor juvenil parece que arrefeceu com o passar do tempo. Tenho indagado vários jovens que ingressaram em carreiras jurídicas públicas e passaram por Bancas de Seleção compostas por juristas de renome. É raro aquele que se recorde dos integrantes dessas bancas, a cujo tirocínio os juízes, promotores, delegados, defensores, titulares das delegações extrajudiciais, procuradores e auditores devem estar hoje a exercer funções estatais. De idêntica maneira, esquecer dos professores é algo que denuncia o mau conceito da educação brasileira em todos os níveis. Deus me poupou dessa mácula. Tenho muitas outras, mas não me esqueço de meus mestres, de meus tutores intelectuais, de meus guias espirituais, das pessoas que influenciaram e formataram a minha vida e o meu percurso profissional e acadêmico. Grande parte delas já está no etéreo. Já conheceu o mistério da morte. Mas não me recuso a elogiá-las, com a gratidão de quem a elas deve muito de sua formação e que continuam a ser inspiração neste restante de caminhada. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 29 05 2025 ![]() ![]() |
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