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![]() Acadêmico: José Renato Nalini Não era só poeta o Bilac. Era também excelente orador. Acrescentava treino e apuro à voz com que nascera. Saía em grupo de amigos, todos dedicados às letras e desafiava os companheiros para ver quem mais alto gritava. Era sempre ele o vencedor
Versejar e faturar No final do século XIX e inícios do XX, era moda no Rio, a capital federal, o anúncio em versos. Olavo Bilac e Emílio de Meneses eram os mais chamados a colaborar com o consumo. E era assim que o primeiro “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, cujo nome era um alexandrino – Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac – faturava algum. Só para dar uma ideia do que se pagava então, um artigo requisitado a uma alta personalidade – da literatura ou da política – significava cinquenta mil réis para o seu autor. Enquanto isso, um versinho de propaganda representava de vinte a trinta mil réis. Mas às vezes, o interesse da empresa a tornava mais generosa. Bilac ganhou cem mil réis por esta quadra, encomendada pela Companhia de Fósforos Brilhante: “Aviso a quem é fumante: Tanto o Príncipe de Gales Como o Dr. Campos Sales Usam fósforos brilhante” O fotógrafo Leterre, que retratava as famílias de posses, quis que Bilac assinasse o verso. Mas o preço foi muito alto: duzentos mil réis. Então ficou por menos, sem assinatura: “Quem em sagrado não se enterre Quem não tiver, hoje em dia A sua fotografia Feita na Casa Leterre” Bilac foi Secretário do Governo no Estado do Rio e gostava de despachar em versos. Conciliava o estilo burocrático e a fluência poética, redigindo algo assim: “Niterói, 10 de janeiro Saúde e fraternidade. Demita-se o tesoureiro Por falta de assiduidade E lavre-se a portaria, O decreto ou o alvará Que entrega a Tesouraria Ao poeta Luis Murat”. Em outra oportunidade, num requerimento da Professora Ana Maldonado, a pedir licença de três meses para tratamento de saúde, exarou Bilac este despacho: “Se Dona Ana Maldonado For uma bela mulher, Tenha o dobro do ordenado E do tempo que requer. Mas se for velha e metida O que se chama um canhão, Seja logo demitida Sem maior contemplação”. Por óbvio, tais versos não caberiam em nossos dias, pois não são politicamente corretos. Suscitariam processos judiciais por acesso moral e coitado do Bilac. Ele iniciara o curso de Medicina antes de cursar Direito em São Paulo. E guardava uma imagem pouco lisonjeira da profissão dos discípulos de Hipócrates. Durante toda a vida ridicularizou a medicina e os médicos, em epigramas espalhados em jornais do Rio e São Paulo. Em 1895, ante nova turma de médicos formados pela Faculdade do Rio de Janeiro, publicou: “Este ano, trinta e oito médicos Tomaram grau. Boas fadas Os encaminhem para cá. - Coveiros! Nas mansões fúnebres Ide aprestando as enxadas. Trabalho não faltará...” E diante da notícia de que um enfermo, em plena peste, fugiu do Hospital, Bilac escreveu: “Abriu a canela fina Pra que todo mundo ateste Que tendo medo da peste Teve mais medo da medicina... Não era só poeta o Bilac. Era também excelente orador. Acrescentava treino e apuro à voz com que nascera. Saía em grupo de amigos, todos dedicados às letras e desafiava os companheiros para ver quem mais alto gritava. Era sempre ele o vencedor. Na praia do Icaraí, em Niterói, costumava subir no cimo de um penedo, em posição de desafio e gritava para o oceano: - “És um covarde, velho mar de barba esquálida. Prepara-te para ouvir os mais rudes impropérios deste mísero mortal que aqui está. Miserável e covarde” que é feito das nereidas? Onde as cinquenta oceânidas de outrora? Que é feito da deusa Afrodite, que é feito do seu carro e do seu cesto brilhante, que seduzia os deuses e os heróis? Em vez dos louros cabelos da “Pulcra dea, auricrinita Venus”, como diz o detestável tradutor Odorico Mendes, arrojas agora à praia um punhado de algas corruptas que infestam estas areias... Esse era Olavo Bilac. Que criança brasileira, em nossos dias, sabe ao menos um poema seu? Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 22 05 2025 ![]() ![]() |
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