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CULTURA & NEGÓCIOS
Acadêmico: José Renato Nalini
Olavo Bilac tentou de organizar uma Agência Americana, que se encarregaria de uma série de negócios. Acreditou que poderia passar da condição de homem de letras, com o olhar voltado para as estrelas, a homem de negócios, com a atenção voltada para as coisas práticas e para ganhar dinheiro

Cultura & negócios

Cada um nasce com seus dons e talentos. Cumulá-los para tirar proveito de todos é raríssimo. Por isso o naufrágio dos que, sendo dotados de sensibilidade artística ou literária, se aventuraram no território pantanoso da política ou da competitividade bárbara dos negócios.

José do Patrocínio quis construir um balão. Achou que ficaria rico, transportando passageiros entre Europa e Brasil. Antecipou-se à aventura do Zepellin. Frustrou-se. Olavo Bilac também tentou de organizar uma Agência Americana, que se encarregaria de uma série de negócios. Acreditou que poderia passar da condição de homem de letras, com o olhar voltado para as estrelas, a homem de negócios, com a atenção voltada para as coisas práticas e para ganhar dinheiro.

Sua proposta seria criar uma empresa de publicidade, algo que ainda inexistia no Brasil. Pensou em recorrer aos seus amigos poderosos e ricos, que poderiam ajudá-lo. E foi procurar Afonso Arinos, companheiro na Academia Brasileira de Letras.

Afonso Arinos era fazendeiro de café e expert em assuntos empresariais. Não se recusaria a entrar com capital para a iniciativa de Bilac.

Passando da ideia à ação, Olavo Bilac foi à procura de Afonso Arinos em sua propriedade rural. Ao chegar, foi informado de que o fazendeiro estava trancado em seu escritório com uma visita e pedira para não ser interrompido. O poeta que tivesse paciência e esperasse.

Faria companhia a Paulo Prado, que também queria conversar com Afonso Arinos e chegara primeiro. Ambos começaram a conversar e perceberam que a conversa de Arinos era comprida. Várias horas se passaram e nada. Bilac era muito impaciente. Caminhava pelo alpendre, emendando um cigarro no outro. Acabaram os assuntos e Paulo Prado ficou de pernas trançadas, sacudindo o pé que se sobrepunha ao outro.

Bilac, certa hora, comentou com o companheiro de espera:

- “Quem será essa pessoa tão inconveniente que rouba tantas horas a Afonso Arinos?”

Paulo Prado sacudiu os ombros:

- “Quem poderá ser? Na certa um desses poetas da roça, que veio exibir seus versos e está a declamá-los, caceteando Arinos!”

Bilac já não aguentava. Estava mais do que nervoso. Estava exasperado. E explodiu:

- “É isso. Vivemos num país pedido! Vim do Rio tratar de negócios sérios e vejo que não posso falar ao Arinos, porque ele está em circunlóquios com algum trovador! Há de ser qualquer romântico que está a roubar-nos um tempo precioso, a nós, Paulo, homens experimentados, que já sabemos o que valem essas caraminholas de arte e literatura! Com certeza o Arinos está a ouvir sonetos, trovas, acrósticos e baladas, enquanto eu necessito tratar da minha agência de publicidade e você precisa resolver a sua compra da nova safra de café!”.

E gesticulando, no auge da irritação:

- “Isto é um país perdido! Perdido e sem remédio!”.

Foi quando se abriu a porta do escritório de Afonso Arinos e sai dali, radiante, corado, próspero, um senhor alto, com ares de italiano.

Logo em seguida, acompanhando a visita, sai Afonso Arinos:

- “Desculpem a minha demora. É que eu estava estudando os problemas de uma indústria de carnes congeladas, aqui com o meu amigo, o Conde Matarazzo...”.

Não eram trovas ou sonetos que entretinham os dois amigos, na longuíssima conversa que tiveram. Por certo, Afonso Arinos não entrou com qualquer cota-parte da Agência Americana de Olavo Bilac. De igual forma ao balão de José do Patrocínio, sua empresa não decolou.

Por certo, sua pretensão negocial precisaria ter o mesmo gabarito de suas poesias. Ele era extremamente cuidadoso na elaboração de seus poemas. Por isso queimou tudo aquilo que não havia terminado, um mês antes de morrer. Foi fiel à “Profissão de Fé”, da página de abertura de suas Poesias: “Torce, aprimora, alteia, lima/ A frase; e, enfim, / No verso de ouro, engasta a rima/ como um rubi. / Quero que a estrofe cristalina/ Dobrada ao jeito/ Do ourives, saia da oficina/ Sem um defeito”.

Tanto Patrocínio como Bilac prestaram inestimáveis serviços à humanidade. Não lhes faltou brilho. Tivessem enveredado pelo cipoal dos negócios, talvez não conseguissem transmitir tão precioso legado.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 21 05 2025



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