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ENCANTE-SE COM O MUNDO
Acadêmico: José Renato Nalini
Em qualquer espaço ainda há vida milagrosa. Casas humildes com jardins, roseiras, trepadeiras. Vasinhos nas janelas, de latinhas contendo hortelã, alecrim, poejo, arruda. Pássaros que insistem a cantar na megalópole. Não é um fenômeno acordar com bem-te-vis em São Paulo?

Encante-se com o mundo

Não é fácil conservar o otimismo no momento em que o planeta evidencia sua exaustão, as guerras continuam, a corrupção invade todos os espaços, a ameaça de uma pane universal provocada pelo cibercrime é mais do que provável e a vida está muito cara para a maioria dos mortais.

Nem pensar no otimismo de Cândido, de Voltaire, mas talvez num otimismo de teimosia. Ousar manter a esperança de que tudo vai mudar, para que, realmente, tudo mude. É uma tentativa.

Enquanto isso, encontrar fórmulas de atenuar a pressão, mitigar o estresse e deixar a angústia embaixo do tapete. Algo que pode encantar os desencantados é explorar melhor a nossa natureza.

Em qualquer espaço ainda há vida milagrosa. Casas humildes com jardins, roseiras, trepadeiras. Vasinhos nas janelas, de latinhas contendo hortelã, alecrim, poejo, arruda. Pássaros que insistem a cantar na megalópole. Não é um fenômeno acordar com bem-te-vis em São Paulo?

Muitas vezes somos incapazes de enxergar a beleza que nos rodeia e nos lembra que é preciso se maravilhar para continuar a ter esperança. Leio um texto de Fernanda Ezabella falando do biólogo Scott Learie, o californiano que é diretor-executivo de um dos maiores projetos de ciência cidadã do mundo. O iNaturalist, espécie de rede social para quem é apaixonado pela natureza.

É uma plataforma pela qual usuários sem formação acadêmica enviam observações do mundo natural, como fotografias de plantas e insetos e uma comunidade de cientistas e naturalistas ajuda a verificar ou identificar as imagens. Resulta disso uma das maiores bases de dados gratuitas de biodiversidade.

Um prato cheio para os brasileiros. Enquanto os dendroclastas e negacionistas não acabam de vez com nosso verde, vamos explorar os biomas e fotografar tudo aquilo que possa nos surpreender. Naquilo que chamamos de “mato” ou “matagal”, nos terrenos baldios que ainda não foram alvo da especulação imobiliária, há minúsculas flores, de todos os coloridos, que fotografadas com lente de aumento, evidenciam o quão exuberante é a criação.

O projeto de Learie e sua equipe é a criação de um “Atlas do mundo natural”. O Brasil pode contribuir para esse plano, pois é detentor da maior biodiversidade do planeta. E é bom correr, enquanto ela não acaba. O negacionismo ganhou força com a nova geopolítica – o mundo é cada vez menor, mais aquela “Aldeia Global” de Marshall McLuhan, todo interligado por redes antissociais que mais disseminam inverdades e ressentimentos do que propagam o bem e o belo.

Já são vinte milhões os usuários habituais do iNaturalist. O objetivo de Loarie é atingir cem milhões. Com isso, tenta-se tornar o aplicativo mais fácil de usar para públicos mais amplos e incentivar a criação de projetos comunitários. Nada impede, ou melhor, tudo recomenda que grupos de jovens, que não têm na escola tradicional o estímulo para a criatividade, formem uma comunidade destinada a conhecer melhor a biodiversidade de seu bairro ou de sua cidade.

Já existe uma campanha anual chamada City Nature Challenge, que no Brasil tem o nome Desafio Mundial da Natureza Urbana. Começou com uma competição entre Los Angeles e São Francisco e hoje acontece entre cidades do mundo todo para ver quem registra mais espécies num período curto de tempo.

Alguma coisa já se faz no Brasil, como a existência de cem grupos com projetos dedicados a borboletas – são 8.590 espécies observadas, fungos, com 2.019 e cobras – 366. A plataforma recebe 85 mil observações por mês do Brasil, provindas de 70 mil usuários. Mas há muito espaço para crescer.

Há muito tempo funcionam em nosso País os grupos de observadores de pássaros. É conveniente que surjam mais grupos de observadores de plantas, que também poderiam acrescentar ao seu mister a missão do plantio. É preciso regenerar a flora Brasília. Estamos perdendo espécies, porque os incêndios e a devastação caminham muito mais rapidamente do que a preservação.

Não é possível conviver com o anúncio de que um terço das espécies desaparecerá até o final do século devido à destruição do meio ambiente e das mudanças climáticas. Evitar isso não é tarefa exclusiva dos cientistas, muito menos de governos, quase todos insensíveis a esse desastre catastrófico. É obrigação das pessoas sensíveis a salvação do ambiente.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 11 05 2025



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