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O CENTENÁRIO DE UM DEMOCRATA
Acadêmico: José Renato Nalini
O flagelo do desmatamento foi uma das preocupações desse doutrinador que insistia em uma Democracia Participativa, com atuação efetiva do povo, hoje um verbete utilizado para o discurso, mas quase sempre completamente ausente das políticas estatais

O centenário de um democrata

Hoje, 10 de maio de 2025, Paulo Bonavides faria cem anos. Faleceu aos noventa e cinco, em 2020. Nasceu em Patos, na Paraíba e ao falecer, em 30 de outubro de 2020, estava em Fortaleza.

Entre essas duas datas, converteu-se num dos maiores constitucionalistas do Brasil e do mundo, elaborando inúmeras obras de interesse para estudiosos e mesmo para jejunos, tal a sua perspicácia ao explicar temas técnicos para quem não estudara direito.

Extraordinário docente, ensinou desde cedo, iniciando-se no curso médio, num Instituto de Educação. Prosseguiu na Universidade, inclusive assumindo Cadeiras no Exterior, principalmente em Harvard e na Alemanha.

Sua obra inspirou inúmeros outros professores, mas também serviu a políticos desejosos de alterar o quadro institucional de uma República em que a Democracia sempre foi mais um desejo do que uma realidade.

Seus livros sobre Ciência Política e Direito Constitucional são usados em todas as Faculdades, frequentam ensaios, dissertações e teses e constituem obrigatória citação em julgados de todas as instâncias, no Foro brasileiro. Não é sobre isso que vou me deter.

Depois de possuir alguns de seus livros, principalmente seus “Curso de Direito Constitucional” e “A Constituição Aberta”, fui presenteado por Lygia Fagundes Telles com um exemplar de pequena publicação chamada “O Tempo e os Homens”, da Fundação Ernani Satyro, datado de 1997. Uma letra pequena e bonita inseriu, logo à primeira página, uma dedicatória: “À Acadêmica Lygia Fagundes Telles, cordial homenagem de Paulo Bonavides. Fortaleza, 14/VI/2003”.

O volume é integrado por textos ensaísticos dos quais destaco, diante da minha atual função, o texto “Fabricantes de desertos”. Ele lamenta o descaso brasileiro em relação à área flagelada do Nordeste, que não só envolve os sertões baianos, mas se espraia a Pirapora, no Estado de Minas. A última fronteira móvel da chamada área do Polígono das Secas.

Profeticamente, vaticina que “o sertão seco se aprofunda pelo interior brasileiro e amanhã, regiões outrora opulentas, poderão ficar reduzidas a um deserto de areia e pedra”. E clama a atenção dos que podem – ou então podiam – fazer algo em favor da natureza: “E se o Polígono continuar a crescer, como nos informam os entendidos, tremei, ó senhores do asfalto do Rio de Janeiro, pois é no sentido das vossas portas que ele caminha, como um monstro que desafia governo e competência administrativa”.

O flagelo do desmatamento foi uma das preocupações desse doutrinador que insistia em uma Democracia Participativa, com atuação efetiva do povo, hoje um verbete utilizado para o discurso, mas quase sempre completamente ausente das políticas estatais.

Via com aflição a chegada rude da seca a Minas Gerais, cuja região norte é da mesma conformação do sertão nordestino. “No Brasil, e particularmente no Estado de Minas, toma a erosão aspectos ameaçadores, que nos deixam apreensivos em relação ao futuro daquele solo em grande parte sabidamente fértil. E, ao lado desse Moloch insaciável, conspira o homem impiedoso, que derruba matas e se despreocupa de promover o indispensável reflorestamento. Ou por incúria, ou por analfabetismo rural, somos, no trato da terra, inexplicavelmente rudes e a nossa política de tudo tirar do solo e nada restituir-lhe é verdadeiramente barbarizadora. Acabaremos como fabricantes de desertos. Poucos há que têm, efetivamente, a noção esclarecida dessas coisas e, na esfera das suas cogitações, no campo prático das suas providências, raros os que se preocupam com esse problema, que cresce de vulto e pede uma solução nacional. Urge dar’lha”.

Lastima a existência dos desnudados campos do Nordeste, as devastadas reservas florestais do Rio Grande do Norte e Ceará, as áreas roídas pela erosão em Minas e chega a São Paulo: “Precisamos de adubar terras sem vida e já desfalecidas que compõem vasta paisagem de São Paulo; precisamos de fertilizá-las e nunca abandoná-las, como se faz presentemente”. A receita já era conhecida: açudes, irrigação, energia hidráulica, perfuração de poços no vale dos rios férteis, adubos da natureza, exploração racional das matas e defesa das florestas.

Tudo isso escrevia, há algumas décadas, o grande Paulo Bonavides, que hoje constataria que tudo piorou, a não ser o discurso vazio, as promessas vãs, feitas para descumprimento e o mundo a emitir seus derradeiros pedidos de socorro. Não estar entre nós em seu centenário o poupa da angústia que o quadro geraria em sua fina sensibilidade de verdadeiro democrata.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 10 05 2025



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