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![]() Acadêmico: José Renato Nalini É importante recordar os raríssimos episódios em que a moral cívica preponderou sobre os maus hábitos. Um deles envolve Afonso Celso, que disputou uma cadeira para a Câmara do Império. Seu adversário era um tradicional velho Coronel, chamado Manuel Fulgêncio Alves Pereira
Lisura adversarial A militância política nem sempre é pródiga em padrões éticos. Ao contrário, é um catálogo de más práticas. Algo que afugenta muita vocação predestinada a servir à coletividade, o que é um crescente e permanente prejuízo para o Brasil. Por isso, é importante recordar os raríssimos episódios em que a moral cívica preponderou sobre os maus hábitos. Um deles envolve Afonso Celso, que jovem ainda, disputou uma cadeira para a Câmara do Império. Seu adversário era um tradicional velho Coronel, chamado Manuel Fulgêncio Alves Pereira, integrante do poderoso Partido Conservador, professor de humanidades, advogado provisionado e liderança bem respeitada em toda a região do norte de Minas. Afonso Celso percebeu que a competição não seria fácil. Teria de se empenhar e muito. Visitou todos os eleitores, um a um. Sua luta foi bem-sucedida. Na primeira vez, foi eleito. Conseguiu convencer os concidadãos. Já nas seguintes, outras quatro, foi encontrando maior dificuldade. Isso porque, enquanto ficava no Rio, a exercer o mandato junto à Corte, o Coronel cuidava de aliciar novas adesões, semeava discordâncias e abria claros profundos nas hostes do filho do Visconde de Ouro Preto. A tenacidade do sagaz Manuel Fulgêncio não se limitava à campanha política permanente. Depois de cada pleito, com a sua experiência de advogado e proximidade com o Fórum, jurisdicionalizava os resultados. Recorria tanto às juntas apuradoras como às autoridades judiciais. Não se conformava. Protestava com energia e gerava um tumulto naquilo que deveria ser um testemunho de consenso. Numa das eleições, não se conformou o Coronel contra os resultados de um colégio onde Afonso Celso obtivera ganho por mínima maioria. Por isso, amealhou volumosa cópia de documentos para exibir pessoalmente à Junta Apuradora de Grão-Mogol. Tudo acertado, recebeu a notícia de que um familiar enfermo reclamava a sua presença em outra cidade, bem distante do município em que teria de oferecer a documentação. Diante desse impasse, optou por atender ao parente e viu-se com uma dificuldade: como faria para que a sua irresignação chegasse ao destino? Os correios não poderiam ser a opção. A entrega tinha prazo exíguo. O que fazer então? Homem de bem, Manuel Fulgêncio tinha por adversário outro homem de bem. Encontrou a solução para o caso. Foi à casa de Afonso Celso e disse: - “Eis aqui papeis importantes contra a sua eleição! Exibiu a pasta com os documentos. Preciso de portador para levá-los à Junta Apuradora. Como sei que o senhor segue amanhã para lá, rogo-lhe que se incumba disto e ficarei tranquilo!”. Afonso Celso recebeu os papeis, emocionado. Só respondeu: - “Obrigado pela confiança!”. Entregou os documentos para a Junta Apuradora, antes mesmo de abraçar os correligionários que estavam à sua espera. Você conhece outros gestos semelhantes na Política Brasileira? Esse era Afonso Celso, além de tudo um poeta. Publicou, aos dezenove anos, em São Paulo, onde estão estudava nas Arcadas de São Francisco, um livro de versos. O seu primeiro, que batizou de “Telas Sonantes”. Um companheiro de vida literária, Teófilo Dias, estranhou esse título. “Telas sonantes, por que?”. E Afonso Celso, que esperava, com a publicação, ganhar algum dinheiro para que pudesse aliviar o pai, o Visconde de Ouro Preto, das despesas que era obrigado a fazer para manter o filho a estudar em Piratininga, respondeu, esfregando o polegar e o indicador da mão direita, no gesto com que então se aludia a dinheiro: - “Para tê-las sonantes! Como poeta, apaixonou-se pela abolição e flertou com a República. O pai, Presidente do Conselho no último gabinete da monarquia, lamentava-se quando lhe diziam que seu filho era republicano: - “Eu sou o pedreiro que levanta o muro, enquanto meu filho cava nos alicerces para a queda do pai...” Só que, ao golpe de 15.11.1889, o jovem colocou-se ostensivamente ao lado do pai e o acompanhou no exílio do Imperador. Três anos depois, ao regressar ao Brasil, foi-lhe oferecida uma cadeira na Câmara Federal. E ele: - “Não posso aceitar. Se eu aceitasse um mandato republicano eu só o faria com uma condição: manter, na minha cadeira, o programa que derrubou a Monarquia. Mas agora, para restabelecê-la!”. Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 07 05 2025 ![]() ![]() |
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