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A PÁSCOA E OS CÔMODOS DO MUNDO
Acadêmico: Gabriel Chalita
A Páscoa nos relembra a passagem. Da escravidão para a libertação. Povo sofrido aquele que não aguentava mais as correntes, os ódios, o sentimento de inferioridade.

A Páscoa e os cômodos do mundo

É mais um Domingo de Páscoa. Domingo de lembranças de passagens bonitas da nossa vida. 

Na minha infância, passávamos a Páscoa nos entretendo com ovos pintados, que deveriam ser quebrados para comermos o que havia dentro. O que há dentro de um ovo protegido por uma casca tão frágil? 

O que há dentro de nós? Quem protege o que há dentro de nós?

A Páscoa nos relembra a passagem. Da escravidão para a libertação. Povo sofrido aquele que não aguentava mais as correntes, os ódios, o sentimento de inferioridade. Da morte para a vida. Jesus venceu as noites sendo vida no amanhecer do terceiro dia. E o que parecia o fim foi apenas um inverno nos sentimentos dos acusadores. A primavera retirou o frio e aqueceu, novamente, a esperança. 

Na minha infância, além dos ovos, com as cascas pintadas e as brincadeiras do quebrar, também havia os ovos inventados, cobertos de chocolates para trazer doçura. "Deus é doçura" é uma expressão do pensamento do filósofo Blaise Pascal. O mesmo que disse que "o coração tem razões que a própria razão desconhece".

O que há dentro de nós? 

E os coelhos de páscoa, por quê? Não há relatos de que estivessem eles na passagem pelo Mar Vermelho, na Páscoa do Antigo Testamento. Nem no raiar do dia da Ressurreição de Cristo, no Novo Testamento. Vieram depois, como símbolo. Símbolo de fertilidade, de vida. Símbolo da alegria.

Há uma tradição que diz que o coelho é o primeiro animal que sai da toca no fim do inverno. O que há dentro de nós no inverno?

A Páscoa pode ser ensinadora dos cômodos e dos incômodos do nosso existir. No cômodo do desconhecido sentimento do coração, há veias que nos abrem para o necessário incômodo com os feitos que prosseguem esfriando a humanidade. O povo de Moisés sonhava com uma Terra Prometida. O povo de Jesus, também. O sonho comum de um cômodo de amor na Casa do Pai. Jesus disse das muitas moradas. Moradas que vêm depois. Moradas que podem vir antes.
 
O Reino do Amor começa aqui e agora. Começa rompendo os invernos. Começa com os incômodos de quem compreende que não há primaveras, enquanto irmãos nossos vivem sem viver. No mundo e nas nossas vizinhanças.

No mundo, há milhões de crianças refugiadas e há discursos de ódio contra elas e contra seus pais. No mundo há guerras provocando horrores sem fim. Que escândalo é a guerra! Que fracasso da humanidade. E as guerras silenciosas na nossa vizinhança? E os que se creditam o direito de desacreditar o outro por preconceitos, por arrogâncias?

O povo caminhou junto atravessando o mar e olhando para a frente. O povo sorriu junto o nascer do dia da ressurreição. O Filho ensinou que há um só Pai e que todos nós somos irmãos. 

O reconhecimento, dentro de nós, da irmandade universal é a forma mais profunda de celebrar a Páscoa. A irmandade universal começa com o nosso próximo. Se eu não consigo ser o pacifista que resolve os conflitos do mundo, que tal começar em casa? E nas casas próximas. E no trabalho. E no trabalho cotidiano do respeito, da honestidade, da compaixão. É preciso nos incomodar para que, nos cômodos do mundo, caibam todos os nossos irmãos. 

Tristes discursos de exclusão, de superioridades e inferioridades, de vencedores e derrotados, dos que têm e dos que não têm. 

Na minha infância, o que havia de mais bonito era ter o beijo da minha mãe e do meu pai. E era ver o quanto eles eram bons.  Naquele cômodo, cabia mais sabor que ovos e chocolates. Cabia mais vida que coelhos saindo de tocas. Ainda cabe , porque eu acredito na Palavra de Jesus, "na casa de meu Pai há muitas moradas".

Eles prosseguem. E prossigo eu tentando fazer da Páscoa não apenas uma lembrança bonita, mas um aprendizado que retire de mim a escravidão e a morte e também o inverno. Meus irmãos precisam de mim, saindo de mim e construindo primaveras.

Publicado em O Dia, em 20 04 2025



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