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EMOÇÕES HONESTAS
Acadêmico: Gabriel Chalita
Que os sorrisos sejam honestos e também os choros. Que os sentimentos não precisem ficar guardados com medo de aparecerem.

Emoções honestas

Era uma tarde de cansaços e eu disse o incorreto. Não há ninguém que viva sem alguma opacidade. Não digo isso para desculpar a mim mesmo, digo como alguém que olha para si na procura das impurezas. 

Meu filho tão puro, e eu, naquela tarde, míope de sentimentos, disse a frase "homem não chora". 

Como assim? 

Só os mortos não choram. Homens choram. E é preciso que chorem para compartilhar sentimentos. E é preciso que busquem colo para descansar do cansaço das dores. 

Os mortos não sentem dores. Os vivos, sim. Vivo das dores do passado e dos incômodos dos futuros que nem sei. Vez em quando, em meio a conversas estéreis, reeduco a mim mesmo dizendo do improvável conhecimento do amanhã. 
Sei dos ontens. E sei que, aos ontens, não devo estar preso. Nem mesmo ao dizer o errado, corrigido depois. 

Meu filho cessou o choro com pressa. Eu disse, porque a razão do choro pareceu a mim desnecessária. Erro meu. Não sou eu quem decide o que dói e o que não dói na alma do outro. Nem mesmo do meu filho. 
O que para mim está resolvido, por já ter vivido, para ele pode ser desconhecido. O seu problema merece o meu respeito. 

Era uma tarde de cansaços por decisões que exigiram muito de mim. Eu havia chegado cedo em casa. Minha mulher não estava. E ele veio, com o caderno de desenhos e um choro reclamador de uma cor que faltava para pintar o sonho.Eu dei o abraço e o beijo sem demonstrações de querer sua presença comigo, naquele instante em que o meu pensamento pensava como se fosse um feto morto, sem condições de nascer. 

Nasceu ele há tão pouco tempo, meu filho. Eu o amo mais do que tudo. Sei disso. E para aliviar aquela preocupação, eu disse a tal frase desprovida de qualquer verdade, "homem não chora". Talvez para minha filha eu tivesse dito, "não precisa chorar". Não sei. Sei que depois expliquei a ele que eu havia errado e que eu chorava. E o abracei, agora sim, com presença, e chorei. Ele passou as mãozinhas miúdas no meu rosto e disse "não chore, papai". E eu disse que estava chorando de emoção de ter um filho tão especial como ele. E pendurei os meus problemas e sentei com ele no chão para resolvermos a cor que faltava para colorir o desenho dos sonhos. E assim fizemos.

Quando minha mulher chegou com minha filha, estávamos sorrindo dos nossos feitos. Meu filho dizendo que eu pintava mal. Minha filha quis participar da tarefa. Minha mulher sorriu o sorriso da gratidão de estarmos ali vivendo aquelas emoções honestas. 

Que problema meu pode ser maior do que o prazer desse brincar, desse estar, desse viver a paternidade nos seus cotidianos mais singelos? 

Homens choram, sim. E também as mulheres. Mulheres e homens têm sentimentos. E medos. E sonhos. E humanidade. E direito ao erro. E às tantas correções do existir. 

Lembrei do meu pai, quando passava na padaria para nos trazer o pão para o café que encerrava o dia. E que, depois do banho, nos contava histórias. Não havia cansaços que espantassem a sua presença em nós. 

Minha mãe deixava os afazeres para sentar conosco. E, não poucas vezes, pedíamos que ele repetisse alguma história contada em dias anteriores. E ele gostava. E depois dormíamos o sonho dos protegidos da atenção. E havia o tio João que, quando vinha, cantava e tocava violão. 

Desses passados, não preciso desamarrar. Porque são enfeites da alma, porque são perfumes que preenchem os cheiros em dias ruins. Sempre há dias ruins e sempre há lembranças com poderes aliviadores. 

Que os sorrisos sejam honestos e também os choros. Que os sentimentos não precisem ficar guardados com medo de aparecerem. Que sentemos no chão com o prazer de estarmos juntos. E de compreendermos juntos que o chão é a metáfora do sagrado, do que nos ensina o prazer e o dever do caminhar. 

Era uma tarde de cansaços e eu descansei lembrando a mim mesmo a escolha correta. 

E anoiteci feliz.

Publicado em O Dia, em 12 01 2025



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