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A ARTE DE VIVER
Acadêmico: José Renato Nalini
A vida é uma dádiva gratuita e milagrosa. Enquanto vivemos bem, não prestamos atenção ao dom existencial. Espíritos privilegiados desenvolvem estudos que revalorizam o viver. Pensadores de todos os tempos se devotaram a propagar receitas de bem viver

A arte de viver

Viver é uma arte? Para alguns é uma tragédia, arte dramática. Para outros, uma poesia, arte literária. A vida é uma dádiva gratuita e milagrosa. Enquanto vivemos bem, não prestamos atenção ao dom existencial. Espíritos privilegiados desenvolvem estudos que revalorizam o viver.

Pensadores de todos os tempos se devotaram a propagar receitas de bem viver. O escritor José Paulo Paes cuidou de reunir alguns deles e publicou uma interessante obra: “A arte de viver ensinada pelos clássicos”.

Ele recrutou autores considerados clássicos empenhados em serenar os espíritos atormentados pela falta de sentido da vida. O intuito é infundir nos leitores “um sentimento de paz interior, sobremodo reconfortante nos dias atribulados que estamos atravessando”. Não nos confundamos: não se suponha terem sido eles “homens de sobre-humana impassibilidade, ou de haverem vivido em épocas serenas, propícias ao cultivo da vida reflexiva. Foram, como nós, homens preocupados e inquietos. Viveram, como nós, em épocas de instabilidade, nas quais, peremptas as normas tradicionais de conduta, todos se sentiam desgarrados e carecidos de direção moral”.

O primeiro contemplado é Confúcio, nascido no ano 551 antes de Cristo. Sua sabedoria ainda hoje é observada e um pequeno exemplo é a recomendação: “Não vos preocupeis de não ocupar nenhuma alta posição: cuidai, antes, de desempenhar bem a função que vos cabe. Não vos preocupeis por ninguém vos conhecer; cuidai, antes, de merecer serdes conhecido”.

Em seguida vem Epicuro, que nasceu por volta de 342 a.C. Seu texto “A conduta na vida” começa com “Na juventude, não devemos hesitar em filosofar; na velhice, não devemos deixar de filosofar. Nunca é cedo nem tarde demais para cuidar da própria alma”. Suas máximas fundamentais são constantemente discutidas em cursos de filosofia. Sua concepção de morte é instigante: “A morte não é nada para nós, pois o que se desfez está privado de sensibilidade, e o que está privado de sensibilidade nada é para nós”.

Cícero é o terceiro a ser focado por José Paulo Paes. Marco Túlio Cicero chegou ao mundo em 3 de janeiro de 106 a.C., grande divulgador das doutrinas gregas e que escreveu sobre a velhice e a morte. “Seja qual for o tempo de vida que nos é dado, devemos contentar-nos com ele. Para ganhar aplausos, um ator não necessita representar a peça de começo a fim; basta que agrade à audiência no ato em que aparecer”.

Lucius Amadeus Seneca nasceu no ano 1 de nossa era, em Córdoba, na Espanha, então província romana. Magistrado e senador romano, falou sobre a vida feliz. Para ele, “A Vida Feliz é a vida que está em harmonia com sua própria natureza, resultado que se não pode atingir senão quando, antes do mais, o espírito está são e em possessão contínua de sua saúde; depois, se é enérgico, pleno de vigor e, por fim, se é dotado de uma paciência admirável, capaz de se adaptar às circunstâncias, diligente, sem excessos, nem inquietudes em relação ao corpo e ao que a este se refira, atento às outras vantagens que tornam a vida possível, sem admirar nenhuma, e sabendo usar os dons da fortuna sem a eles se escravizar”.

O próximo foi Plutarcocélebre por suas “Vidas Paralelas”, escritas entre 105 e 115 A.D. Foi escolhida a carta que ele escreveu à esposa, por ocasião da morte da filha de ambos. Sua serenidade é impressionante: “Acima de tudo, querida esposa, cuidemos de preservar nossa usual compostura neste transe. Sou, é claro, assaz sensível a esta desgraça e sinto-lhe todo o impacto; se eu souber, porém, que tua aflição excede a justa medida, ficarei mais angustiado comisso do que com a desgraça propriamente dita. Não sou “feito de carvalho e pedra”, como bem o sabes, tu que partilhaste comigo a criação de nossos vários filhos, que preferimos educar em nosso próprio lar”.

A valiosa compilação de José Paulo Paes prossegue com Epicteto, Marco Aurélio, Boécio, Vives, Montaigne, Francis Bacon, Pascal, Manuel Bernardes, o nosso Marquês de Maricá e Emerson.

O que vale mesmo a pena, é ler todo o conteúdo do livro, não de afogadilho, mas de forma lenta, a propiciar reflexão meditada. Afinal, pensar numa vida melhor, a ser encarada com serenidade, apesar das agruras que se enfrentam , até que chegue a morte, é algo que faz bem a todos.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 19 12 2024



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