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ARQUIPÉLAGO DE ILHAS DE CALOR
Acadêmico: José Renato Nalini
Agora é coragem para reflorestar, sem prejuízo de outras medidas de resiliência. É urgente criar “refúgios térmicos”. Haverá necessidade de acolhimento das vítimas da elevação da temperatura. Com a possibilidade de permanência nesses espaços, pelo tempo necessário à recuperação das condições físicas dos acometidos por diversos males

Arquipélago de ilhas de calor

O conceito de “ilhas de calor” é conhecido e tem ocupado a atenção da lucidez tupiniquim. É impossível deixar de prestar atenção nos deletérios efeitos do aquecimento global, que se traduz em exagerada elevação da temperatura. Se novembro de 2023 foi considerado o mês mais quente da história, os recordes prosseguiram neste 2024 e a consequência é constatável no crescente número de internações de hipertensos, diabéticos, portadores de deficiências cardiovasculares e de outras comorbidades. O alerta da ciência é de que há tantas ilhas de calor no Estado de São Paulo, que formam verdadeiro arquipélago. E isso é ruim.

O médico Paulo Saldiva, estudiosos dessas questões, apurou um pico de procura por internação e assistência médica nessas ocasiões. Emite contínuos alertas e lembra que o instrumento mais simples para reduzir a temperatura chama-se árvore.

Registra-se uma diferença considerável entre a temperatura em áreas cobertas de vegetação e aquelas desprovidas de exemplares arbóreos. E um estudo do Instituto de Energia e Ambiente da USP acaba de avaliar a intensidade das ilhas de calor em cinquenta e duas cidades do Estado de São Paulo.

Partiu-se da temperatura de superfície – de materiais, do solo ou da vegetação, de acordo com notícia da jornalista Flávia Mantovani. Constatou-se uma diferença média de temperatura entre áreas urbanizadas e não urbanizadas de 5ºC na estação úmida, que vai de outubro a março e de 2ºC na estação seca, de abril a setembro.

São Paulo, não fora a insensata conurbação de treze milhões de pessoas e a destruição de sua flora, além do sepultamento de milhares de cursos d’água para construir uma cidade para o automóvel, não para as pessoas, beneficiar-se-ia de um microclima mais ameno. Verdade que há grandes áreas de conservação ambiental como a Serra do Mar, a Cantareira e o maltratado complexo da região dos mananciais, no entorno da contaminada Guarapiranga. O acréscimo de mais de 165 km2 de áreas verdes tornará a capital com cerca de 26 de áreas verdes. Mas a distribuição não é ainda a ideal.

Seria necessário devolver à natureza o que dela se subtraiu em termos de árvores, das quais São Paulo tem um déficit superior a vários milhões. Regiões como a Zona Leste se caracterizam por excesso de impermeabilização e de cobertura de alvenaria, concerto e asfalto, materiais que absorvem mais calor durante o dia do que a vegetação. O armazenamento desse calor perdura durante a noite e deixa a cidade mais quente. Por isso é que hoje se deve falar em adaptação da cidade para poupar seus moradores de graves problemas de saúde, pois o tempo de precaução e prevenção já foi ultrapassado com nossa inércia. No mínimo culposa, para não dizer dolosa, ou seja, intencional. Diante dos sinais emitidos pela natureza durante décadas, imperdoável deixar que a situação atingisse o grau de gravidade em que se encontra.

Agora é coragem para reflorestar, sem prejuízo de outras medidas de resiliência. É urgente criar “refúgios térmicos”, dentro de escolas e demais instituições públicas e privadas. Haverá necessidade de acolhimento das vítimas da elevação da temperatura. Com a possibilidade de permanência nesses espaços, pelo tempo necessário à recuperação das condições físicas dos acometidos por diversos males. Propiciando-lhes ar refrigerado, água gelada, frutas, medindo-lhes a pressão e ministrando-lhes medicamentos para os sintomas que apresentarem durante a crise.

Simultaneamente, multiplicar os “jardins de chuva” ou os espaços que devem ser ocupados por vegetação adequada. Árvores de grande porte. Não apenas vegetação rasteira. É empírica a comprovação de que sob uma árvore que propicie sombra, a temperatura é sempre mais amena do que sob o sol inclemente. São Paulo reclama as “vagas verdes”, ou seja, destinação de algumas vagas para o estacionamento do automóvel, o mais egoísta dos veículos emissores dos gases venenosos causadores do efeito-estufa, para que sejam substituídas por cobertura vegetal.

Todos os espaços disponíveis, numa cidade que não cuidou de reservar solo natural para absorver a água das precipitações pluviométricas, devem ser destinados a receber árvores. O plantio de árvores deveria ser a primeira preocupação, o primeiro esporte, o primeiro hobby, de todos os paulistanos. O ideal seria a “ressurreição” dos córregos que cederam espaço ao asfalto para receber os mais de nove milhões de veículos movidos a combustível fóssil que ajudam a envenenar e a aquecer o globo. Mas enquanto se puder recorrer a paliativos, que estes sejam eficazes. A alternativa é trágica e, nada obstante ainda exista negacionismo, ela está no horizonte de uma humanidade omissa e inconsciente dos riscos a que está submetida.

Publicado no O Estado de S.Paulo, Blog do Fausto Macedo, em 14 08 2024



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