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SEGUIR A NATUREZA
Acadêmico: José Renato Nalini
É mais do que urgente voltar a adotar soluções de acordo com a natureza. Respeitar a topografia, a geologia, as bacias hidrográficas. Será caro? Claro. Num primeiro momento, demolir os monstrengos que tornam a vida humana insalubre e desconfortável custará. Mas o urbanismo climático é a única alternativa ao caos

Seguir a natureza

Foi um equívoco da humanidade acreditar que a natureza é hostil e tem de ser domada. Tudo a serviço do homem, o caolho antropocentrismo que nos conduziu ao desastre. Algo que é visível em nossas cidades.

Pense-se no cenário do Planalto de Piratininga em 1554. Grandes rios, serpenteando por suas várzeas, rodeados de vegetação luxuriante, fauna rica e exuberante. O que fizemos? A pretexto de “retificar”, fizemos do Tietê um condutor de imundícies. Canal de líquido viscoso, venenoso, malcheiroso, atravessa a cidade. Cidade que impermeabilizamos, para ceder espaço a sua majestade o automóvel, o mais egoísta de todos os meios de locomoção. Ainda por cima, emissor de veneno que aquece o planeta e ocasiona a emergência climática.

Continuamos a errar e preferimos grandes obras, com bastante concreto, ferro e aço. E não devolvemos aos rios o que tomamos deles. Não ressuscitamos os córregos que foram sepultados para tornar a megalópole um pesadelo de trânsito, surreal e causador de enfermidades.

É mais do que urgente voltar a adotar soluções de acordo com a natureza. Respeitar a topografia, a geologia, as bacias hidrográficas. Será caro? Claro. Num primeiro momento, demolir os monstrengos que tornam a vida humana insalubre e desconfortável custará. Mas o urbanismo climático é a única alternativa ao caos. Ou, como diz Pedro Henrique de Christo, Presidente do NAVE – Novo Acordo Verde, enfrente-se o urbanismo climático para evitar o colapso. É urgente produzir estruturas multifuncionais de resiliência nas cidades.

O controle climático eficaz se fará mediante utilização de estruturas multifuncionais de resiliência urbana. Aproveitar os elementos naturais do território, vegetação e água como tecnologias construtivas. O concreto não deve ser a primeira e única solução. Mas a receita é “fazer a água penetrar no solo, ser absorvida por vegetação que incha, diminuir sua velocidade e ser concentrada em áreas previstas para alagamento – junto a redes de drenagem construídas como parte de espaços públicos verdes de integração e sustentabilidade”.

Não se diga que isso é impossível. É a lógica já aplicada na Holanda, em Nova Iorque e Los Angeles. O excesso de estruturas cinzentas pode ser trocado: elas são substituídas por novas áreas verdes e azuis, acopladas a investimentos em reuso de água e energia limpa.

São Paulo já adotou a prática dos “jardins de chuva”, que ajudam a escoar e a drenar a água da chuva. É preciso restabelecer as “vagas verdes”, tirando ao monopólio do automóvel um pequeno espaço para acolher cobertura vegetal. Multiplicar pequenos bosques, utilizar toda partícula de espaço ocioso para acolher o verde. Verde que é vida e do qual dependemos para sobreviver.

O setor da construção civil precisa se convencido a deixar terra à vista em suas edificações que inundam a cidade de caçambas. Precisam adotar técnicas de engenharia civil e arquitetura que prestigiem iluminação e ventilação natural, para evitar o excesso de recurso à energia elétrica. A energia estacionária é também fonte de emissão dos gases causadores do efeito-estufa. Toda nova obra precisa deixar espaço para árvores. Isso deve ser exigência do Plano Diretor. Sem isso, não haverá senão aguardar a catástrofe final.

Incentivar a juventude a ser criativa e inovadora é outro projeto que vale a pena desenvolver. Premiar as melhores soluções, como aquela que já foi implementada em favela carioca: um instrumento de antecipação urbana. Uma tecnologia de modelagem 4D, na qual simulações de cenários de chuva, deslizamentos e enchentes em maquetes digitais de área construída e natural preveem com 95 de precisão cenários futuros. Isso propicia evitar desastres e testar projetos.

A melhor notícia é que o urbanismo climático é sete vezes mais barato. Pois o concreto e outros materiais duros são os que mais oneram o custo das obras. O custo dos desastres climáticos no Brasil em 2023 foi de cento e cinco bilhões de reais, ou um por cento do PIB. Mas o principal é evitar mortes. 87 dos brasileiros vivem nas cidades. Eles precisam de urbanismo climático já. Voltar à natureza, pois quando nos divorciamos dela, nós é que morremos.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Blog do Fausto Macedo, em 29 07 2024



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