Compartilhe
Tamanho da fonte


ATUALIDADE DE BONHOEFFER
Acadêmico: José Renato Nalini
É conveniente lembrar figuras que ofereceram sua existência para tornar o mundo melhor e para frear o avanço da bestialidade.

Atualidade de Bonhoeffer

Nestes tempos às vezes plúmbeos, nos quais os “ismos” são invocados com razão e sem razão, é conveniente lembrar figuras que ofereceram sua existência para tornar o mundo melhor e para frear o avanço da bestialidade.

Um desses vultos, hoje um pouco esquecido, porque uma das características da humanidade é a perda da memória, é o teólogo alemão Dietrich Bonhoeffer – 1906-1945. Erudito pastor luterano, membro da resistência alemã antinazista e fundador da Igreja Confessante, uma ala da crença evangélica antagonista à política nazista.

Nasceu em Breslau, hoje Wroclaw, na Polônia, mas à época pertencente à Alemanha. Seus pais, Karl e Paula Bonhoeffer, o inspiraram com vistas à formação sacerdotal. Excelente aluno, estudou teologia nas Universidades de Tubingen e de Berlim, onde se doutorou em 1927.

Logo no ano seguinte foi para Barcelona e se tornou vigário da paróquia protestante alemã. Foi para Nova Iorque, em continuação ao pós-doutorado e estudou no Union Theological Seminary.

Sua formação filosófica, notadamente ética e cristã, o fez opositor ferrenho ao nazismo. Como um dos principais líderes da Igreja Confessante, sua influência era muito grande entre os fieis de sua confissão religiosa. Sob a orientação de Karl Barth – 1886-1968, elaborou a Declaração de Barmen, de 1934, cujos signatários se recusavam a submeter a palavra de Deus ao controle nazista. Barth era um filósofo heterodoxo, que fugia aos padrões conservadores do protestantismo à época e, junto com Bonhoeffer, abominava que o Führer viesse a reformar a Igreja para colocá-la a serviço do nazismo. Ambos recriminavam, forte e severamente, os cristãos que se submetiam aos desmandos de Hitler.

Tão proativo era Bonhoeffer, que chegou a se envolver na trama de Abwehr para assassinar Hitler. Por causa disso, em março de 1943 foi preso e acabou sendo enforcado semanas antes de o próprio Adolf Hitler cometer suicídio e exatamente um mês antes do fim da II Guerra Mundial.

Dietrich Bonhoeffer foi um prolífico escritor e suas obras incluem a sua dissertação de doutorado, escrita em 1930, sob título “Sanctorum Communio”. Escrita aos vinte e um anos, é uma investigação dogmática sobre a sociologia da Igreja, que recebeu o conceito máximo perante a Faculdade de Teologia da Universidade de Berlim. Inovou em abordagem radical e interdisciplinar, tratando da igreja não só sob a vertente teológica, mas também sociologicamente. Situou-a no contexto de um “mundo que atingiu a maioridade”, conferindo especial atenção às pessoas que sofrem. Para estas é que a Igreja é o espaço onde se proclama e se desenvolve o processo da presença atual de Jesus Cristo. Chegou a explorar a questão “Igreja e Proletariado”, que depois seria retomada pela “Teologia da Libertação”, agora na Igreja Católica de Roma.

Um segundo livro, “Ato e Ser”, é destinado a se servir do pensamento kantiano para explicar a realidade da condição pecadora do homem, seu relacionamento com Deus e a necessidade da cruz. A obra talvez mais famosa de Bonhoeffer, escrita exatamente durante o período de ascensão nazista, é “A Condição de Discípulo”, na qual ele desenvolve e insiste na polêmica sobre a teologia da graça, que é o fundamento da obra de Martinho Lutero. O idealista teólogo luterano, mártir do nazismo aos 39 anos, inquietou-se com o fato de a palavra de Jesus ter-se tornado um tanto estranha e até incômoda para a sua própria Igreja. Por isso convidou os cristãos a refletirem sobe sua condição de discípulos de Cristo, algo que diz respeito a todos os batizados, não apenas a pastores e sacerdotes. Para ele, o que interessa é saber “o que Jesus deseja”, não o que queremos nós, ou o que querem seus seguidores.

Escreveu ainda “Vida em comunhão”, narrando sua experiência como diretor de um seminário clandestino em Finkewald, “Ética”, publicada postumamente em 1949, assim como “Tentação”, de 1953 e “O mundo maior de idade” (1955-1966).

Nesta era de flerte com o nazismo, com o fascismo, com outros “ismos” que fomentam a intolerância, a ira, a violência, é importante não perder de vista que seres humanos de excepcional e primeiríssima qualidade perderam a vida por causas nobres e que nos afetam até hoje.

Reflitamos sobre o que Dietrich Boenhoffer escreveu do cárcere: “Se olharmos mais de perto, veremos que qualquer demonstração violenta de poder político ou religioso produz um surto de loucura numa grande parte da humanidade; na verdade, isso parece ser de fato uma lei psicológica e sociológica: o poder de alguns precisa da loucura de outros. Não é que certas capacidades humanas, por exemplo, as capacidades intelectuais, fiquem atrofiadas ou destruídas, mas sim que o recrudescimento do poder cria uma impressão tão avassaladora, que os homens ficam privados de seu juízo independente e desistem de tentar avaliar o novo estado de coisas por si mesmos”.

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 30 05 2024



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.