Compartilhe
Tamanho da fonte


INTRIGAS & VAIDADES
Acadêmico: José Renato Nalini
Pessoas há, que não podem deixar de promover algo que possa resultar em desentendimento e controvérsia.

Intrigas & vaidades

As intrigas fazem parte do cardápio humano. Pessoas há, que não podem deixar de promover algo que possa resultar em desentendimento e controvérsia. Isso sempre existiu e sempre existirá. Hoje, com notável intensificação resultante a força que as redes sociais adquiriram.

Mas antes disso, o mundo já fervia com os fabricantes de mal-entendidos. Recuperemos um deles. Antigo, mas envolvendo personagens que tiveram garantido o seu lugar na História do Brasil.

O campineiro Rodrigo Octávio escreveu “Festas Nacionais”, compêndio encomiástico das comemorações brasileiras, exacerbando em nativismo e provocando os portugueses.

Um exemplar foi oferecido ao então Embaixador Português no Brasil, Thomaz Ribeiro. Depois que este retornou a Portugal, um dia Capistrano de Abreu envia uma carta a Rodrigo Octávio, expedida em Santa Rita do Passa Quatro e datada de 13 de janeiro de 1896. Juntava um recorte do jornal “Comércio de São Paulo”, com o recado: “há alguma coisa que te interessa”.

Era a reprodução de uma correspondência de Petrópolis, datada de 8 do mesmo mês e ano, da qual constava: “Boatos diplomáticos portugueses. Parte no dia 10, o Sr. Thomaz Ribeiro, Ministro de Portugal. O poeta peninsular deixa muitas simpatias no Rio. Há, porém, quem diga que não voltará para a sua Legação. Sua Excelência leva muitas boas recordações do Brasil e do Sr. Presidente da República. Diz-se que não lhe sucede o mesmo com o pessoal inferior da administração, tais como ministros, diretores de secretaria, oficiais de gabinete, secretários particulares, etc. A propósito de secretário particular, conta-se que o do Presidente da República teve a falta de tato de oferecer ao Sr. Thomaz Ribeiro um exemplar do seu livro “Festas Nacionais”. Digo falta de tato, porque esse livro, adotado nas escolas, tem um prefácio do malogrado Raul Pompeia, em que Portugal e portugueses são cobertos de apodos. O Sr. Thomaz Ribeiro ressentiu-se muito da injúria que lhe foi feita gratuitamente por uma pessoa tão chegada ao Presidente da República. Realmente, o ato não faz honra à educação de quem o praticou”.

Rodrigo Octávio enviou ao jornal uma réplica à notícia. Narra que entreteve com o ilustre Ministro de Portugal “as mais afetuosas relações” e dele recebera provas significativas de simpatia. Foi a pedido do Embaixador que encaminhara um exemplar de “Festas Nacionais”, já em segunda edição, da qual se extraíra o prólogo de Raul Pompeia.

Não satisfeito, o autor ferido encaminha um dossiê a Thomaz Ribeiro, que responde em 26 de fevereiro de 1896, pondo termo ao desentendimento e ao desencontro de narrativas.

O Embaixador diz que “há uma coisa de que nervosamente me arreceio: é dos ouvidos de jornalista, noticiarista ou correspondente”. Acrescenta que o livro “Festas Nacionais” fora recebido a pedido seu. E que de Raul Pompeia recebera delicadezas singulares, quando de uma visita do Embaixador à Biblioteca Nacional.

Só poderia lamentar que alguns portugueses pudessem causar impressão que levasse os brasileiros a uma desvantajosa consideração em relação a Portugal, principalmente se entre tais pessoas se encontrassem homens de tanto mérito e de maior simpatia.

O relacionamento entre Rodrigo Octávio e Thomaz Ribeiro permaneceu forte e íntegro, enquanto viveram. O Embaixador acenou com a possibilidade de condecorar o campineiro com o Colar de Santiago. Este recusou, pois sabia dos melindres de vir a receber uma comenda, na condição de Secretário Particular do Presidente, enquanto outros, mais grados na hierarquia estatal, não estariam contemplados. A eterna inveja, o veneno que alguém toma na esperança de que o outro morra.

Mas aceitou a proposta de Thomaz Ribeiro de sua admissão na prestigiosa Academia Real de Ciências de Lisboa. Desta feita, a intriga foi malograda. Mas quantos já não foram prejudicados por essas minudências, tão típicas à miserabilidade do caráter dos homens?

Publicado no Estadão/Blog do Fausto Macedo, em 06 03 2023



voltar




 
Largo do Arouche, 312 / 324 • CEP: 01219-000 • São Paulo • SP • Brasil • Telefone: 11 3331-7222 / 3331-7401 / 3331-1562.
Imagem de um cadeado  Política de privacidade.