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HERCULANO DE FREITAS
Acadêmico: José Renato Nalini
Além do espírito brilhante, causeur, sarcástico e irônico em seu constante bom humor, Herculano de Freitas era um estudioso e empenhado intelectual das letras jurídicas.

Herculano de Freitas

Não me lembro de ter me interessado por Herculano de Freitas, até o dia em que conheci meu futuro sogro, o médico Francisco Glicério de Freitas Filho. Ele me presenteou com uma “Polianteia”, homenagem póstuma a seu avô, Herculano de Freitas. Ali há depoimentos muito interessantes, de coetâneos. E fui descobrindo que o professor das Arcadas, da qual foi diretor, o senador paulista, o Ministro da Justiça e, finalmente, Ministro do STF deixou múltiplas recordações.

Colho uma delas no livro de Aureliano Leite, “Retratos a Pena”, publicado em 1929. Ele conta que a sua turma de formatura conquistou algumas glórias. Uma delas, haver “regenerado” Herculano de Freitas. Na sua versão, “até então, o lente por decreto de direito público e constitucional, absorvido com a política, não “ligava” à Academia e muito menos aos seus discípulos. Em certos anos letivos deu apenas meia dúzia de aulas... E às suas aulas comparecia quem queria. Nos exames finais eram todos aprovados, vomitassem sandices ou ciência”.

Só que naquele ano, “entretanto, Herculano tapou de uma vez a boca aos filhos da Candinha, não dando um ponto, esgotando o programa e exigindo nas aulas um rigor de disciplina só alcançado por Pedro Lessa. Talentoso, foram notáveis suas preleções, daí em diante. Enérgico, na direção da Academia, que mais tarde lhe coube, marcou uma época de respeito e trabalho”.

Herculano era republicano, genro de Francisco Glicério, o intrépido campineiro. “Orador imaginoso e senhor de si e do ouvinte, teve frases que ficaram pelo acerto com que as proferiu. Num momento histórico, chamou a Campinas “Meca da República”.

Há um folclore em torno à sua exuberante pessoa. Num exame final, nas Arcadas, integra uma banca ao lado de Spencer Vampré e de Cardoso de Melo Neto. A examinanda era uma moça. Sorteado o ponto, ela confessou que nada sabia. Spencer permitiu que ela escolhesse: - “Escolho o quarto, doutor...”. E Spencer: - “Muito bem. Então vamos para o quarto...” . E Herculano: “Mas tenha dó da menina. Não a aperte muito...”.

Outra cena clássica: Herculano era Ministro da Justiça de Hermes. O general Glicério, seu sogro, precisava falar-lhe com urgência. Procurou-o à noite. Aguardou na residência do genro, pacientemente, até que ele chegasse pouco antes do padeiro. O general interrogou-o: - “Herculano! São horas de um ministro chegar em casa?”. -”Saiba, o senhor General Glicério, que a Justiça não dorme!”.

Quando Secretário d Segurança Pública do governo Altino, foi procurado por Miguel Meira, a queixar-se da falta de garantias para realizar comícios. Apelava ao mestre de Direito Constitucional. “Mas afinal, o que você quer, Miguel?”. – “Que o Secretário mande uma dúzia de secretas policiar as reuniões. Nada mais!”.

Herculano levantou-se, deu a mão de despedidas ao político: - “Nesta não caio, Miguel. O que você deseja é que eu lhe dê público para os seus comícios...”.

Herculano era gaúcho e de lá guardara o hábito da equitação. Montava bem e com elegância. Lindos exemplares crioulos eram sua paixão. Lúcido e inteligente, como jurista aprofundava-se até onde se pode ir e resolvia hábil e claramente questões intrincadas. Quando foi nomeado Ministro do STF, comentou com a família: - “Sepultaram-me! Foi a forma de me excluir da política, da qual me abebero e cujo dinamismo me sustenta!

Deixou prole enorme. Um dos filhos, Francisco Glicério de Freitas, foi procurador do Estado. Uma das filhas casou-se com Carlos Costa, último chefe de polícia do governo Bernardes. Sua família ofereceu à Biblioteca Municipal, dirigida por Eurico de Góis, a livraria deixada pelo mestre. Para Aureliano Leite, o destino deveria ter sido a biblioteca da São Francisco, para ficar ao lado daquela de João Monteiro. Mas os seis mil volumes de ciência jurídica de Herculano foram catalogados por Jacinto Silva e mostram que, ao contrário do que se propalava, pois seu dono era bem humorado e frequentava todas as rodas, raras são as que não trazem dezenas de sábias anotações do punho de Herculano.

Além do espírito brilhante, causeur, sarcástico e irônico em seu constante bom humor, Herculano de Freitas era um estudioso e empenhado intelectual das letras jurídicas.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, em 21 11 2023



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