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DESAPEGO? ERA UMA VEZ
Acadêmico: José Renato Nalini
Quem assiste hoje à guerra insana travada por aqueles que se aproximam de quem possui autoridade para nomear pode achar que é mentira ter existido na vida pública brasileira algum episódio de desapego. Mas existiu.

Desapego? Era uma vez

Quem assiste hoje à guerra insana travada por aqueles que se aproximam de quem possui autoridade para nomear pode achar que é mentira ter existido na vida pública brasileira algum episódio de desapego. Mas existiu. Para orgulho nosso, foi um paulista de Guaratinguetá quem se mostrou desinteressado na nomeação para Ministro da Fazenda.

Ocorreu quando o Marechal Floriano Peixoto assumiu a presidência da República, em substituição ao Marechal Deodoro da Fonseca, renunciante em 22 de novembro de 1891. O sucessor já estava psicologicamente preparado para assumir o maior cargo da República. Todavia, queria também ser exitoso em seu governo. Daí haver nomeado Rodrigues Alves para o Ministério da Fazenda.

Francisco de Paula Rodrigues Alves já era um estadista competente e experimentado na vida pública. Representava as forças produtoras mais importantes do país. Mas o nomeado hesitava. Sabia que enfrentaria muitas dificuldades.

Logo na manhã seguinte à posse, Floriano telegrafou a Rodrigues Alves: "Pátria carece vossos serviços Pasta da Fazenda, com todo vosso patriotismo. Mandei lavrar decreto. Venha quanto antes".

No dia 25, o Marechal já tinha sabido, por comunicação de Campos Salles, que Rodrigues Alves declinara do convite. Então novamente contacta o nomeado: "Campos Salles apresentou-me vossa escusa. Sinto não poder aceitá-la; decreto publicado. Bom patriota como sois não me deveis recusar serviço tão relevante. Vossa persistência em escusa será para mim motivo grande descontentamento". No mesmo dia, por ordem de Campos Salles, o teor do telegrama foi publicado no Correio Paulistano.

Na véspera, Rodrigues Alves já recebera um telegrama coletivo, pedindo que aceitasse a nomeação. Assinado por Campos Sales, Bernardino de Campos, Alfredo Ellis, Adolfo Gordo, que era cunhado de Prudente, Glicério de Freitas, Cesário Mota, o irmão de Prudente, Manuel Morais Barros, além de muitos outros próceres.

O mais insistente era Campos Sales, que invocava grave transtorno à política, se a recusa se efetivasse. No dia 25 de novembro de 1891, Campos Sales escreve a Rodrigues Alves: "Acabo de conversar com o Floriano a seu respeito. Disse-me que não pode absolutamente condescender, por maior que seja o seu sacrifício, que ele, como chefe de família reconhece. O momento, diz ele, é exatamente de sacrifício, e cada um de nós o suportará na medida do seu patriotismo. Pensa também que, estando feita a organização ministerial, lavrados e publicados os decretos, a sua escusa importaria numa recomposição, o que seria mal visto pelo país, como sinal de fraqueza da nova situação. Acrescenta que seu nome tem tido geral e inequívoca aprovação e isto torna, além de difícil, inexplicável a substituição. Enfim, ele não aceita de modo algum a sua escusa. Por minha parte direi que é caso de submeter-se. O transtorno seria enorme. É extraordinária a confiança que esta população está depositando no atual governo. Tenho apalpado a opinião e ela nos é inteiramente favorável. Até o câmbio já deu sinal significativo de cordial adesão. Você poderá toma uns quatro dias para seus arranjos, mas venha o mais cedo possível. Tome o seu posto, que será de glória para si e de honra para o nosso São Paulo e para a República. Deve ter recebido a suma desta carta em telegrama meu e do Floriano".

Em pós-escrito, Campos Salles acrescentou: "Têm causado péssima impressão as suas hesitações: todos querem vê-lo aqui e eu vou assegurando que verão".

No dia 26 de novembro, Bernardino de Campos fustiga Rodrigues Alves com outro telegrama: "Pedimos todos que embora sacrifício, preste este serviço ao país e a São Paulo. Salve inevitável desastre. Impossível contrariar agora confiança política". Um velho amigo e camarada é ainda mais lacônico: Abranches envia um telegrama com uma única palavra: "Aceite".

Não se registra, na história da República brasileira, outro episódio em que se tenha feito pressão tamanha sobre um político, para aceitar uma incumbência de sacrifício, como aquela imposta a Rodrigues Alves. Coagido de todos os lados, tomou posse. Floriano telegrafa a ele: "Muito me satisfez vossa resposta. Não esperava outra coisa do vosso patriotismo".

Algo raríssimo. O que se assiste é o contrário: o servilismo, o pedido de indicações, a auto-propaganda, a busca desenfreada pelas tetas da República. Pode-se ainda falar em patriotismo neste confuso cenário de 2023?


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 18 07 2023





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