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DNA ESTÁ NO AR
Acadêmico: José Renato Nalini
Aqueles que ainda levam em consideração a ética, pleiteiam regulamentação sobre a privacidade genética.

DNA está no ar

A música nos diz que "o amor está no ar" (Love is in the air). Mas o que está circulando, na verdade, é o DNA humano. Foi em busca do eDNA, o DNA ambiental, que cientistas descobriram que intenso vestígio de material genético está presente na atmosfera. Inúmeras amostras de DNA humano encontram-se em todos os lugares.

A ciência aprimora técnicas de coleta de DNA e elas estão na mira dos órgãos de segurança e da política criminal. O uso desse material pode ajudar na elaboração de um conjunto de perfis de suspeitos baseados em probabilidade.

A revista Nature Ecology & Evolution publicou os resultados de uma pesquisa que demonstra a viabilidade de recuperação de informações médicas e ancestrais de minúsculos fragmentos de DNA humano que pairam em qualquer ambiente.

Aqueles que ainda levam em consideração a ética, pleiteiam regulamentação sobre a privacidade genética. Sabem que para o Estado controlador não há qualquer óbice à utilização de novas tecnologias, ainda que não tenham sido analisadas sob a vertente moral.

Pensava-se que a presença do DNA humano espalhada era insuficiente para qualquer uso. Mas descobriu-se que mediante alimentação do material recolhido por um sequenciador de nanoporos, algo relativamente barato, pois não custa mais do que mil dólares, foi possível recuperar muito mais do que se esperava. E isso é só o começo, pois até amostras aparentemente insignificantes servirão para revelar um universo de informações.

Abre-se um debate sobre o uso de tais dados. Como praticamente quase tudo, há várias facetas a serem examinadas. Tudo depende de quem vai usar a tecnologia e para que finalidade. Pesquisadores de saúde pública poderiam, por exemplo, determinar a incidência de mutação geradora de doença em determinada comunidade. Mas é possível se servir da mesma informação para segregar minorias, perseguir etnias, uma ferramenta poderosa para o Estado.

Pense-se na verdadeira ojeriza que alguns setores devotam aos indígenas. Não seria difícil fazer o rastreamento genético extensivo e explícito de algumas etnias. Aquilo que hoje se faz de forma amadorística, poderá vir a ser feito em escala e com elevado grau de eficiência.

Identificar suspeitos de práticas ilícitas será muito mais fácil. Abre-se um campo imenso de possibilidades e não se pode afirmar que todas elas sejam nobres e desejáveis. Tudo ainda é muito vago. Quem é que pode coletar DNA humano do ar? Aparentemente, qualquer pessoa que tenha condições pode fazê-lo. Onde está a proibição legal?

Os cientistas têm liberdade para pesquisar e estudar. A ciência não costuma respeitar os limites normativos. Mas há um perigo maior: a polícia é praticamente onipotente. Ela pode se servir de tecnologias ainda não testadas e prender suspeitos diante de uma evidência científica normalmente inquestionável.

É óbvio que, em nome da segurança pública, amplie-se o espaço de liberdade dos agentes públicos, em confronto com a pesquisa financiada pelo Estado ou aquela desenvolvida em entidades privadas.

Tudo aquilo que se descobre e pode ajudar a esclarecer autoria delitiva, ou com o objetivo de prevenir acontecimentos que perturbem a ordem pública, é utilizado sem qualquer restrição pelas polícias do mundo todo. Só a posteriori é que se fica sabendo, quando o caso, de que método se serviu o equipamento estatal para localizar um infrator.

Existe uma organização chamada Innocence Project, aqui no Brasil liderada pela prestimosa advogada criminalista Flávia Rahal, que trabalha para descobrir condenados inocentes. Uma de suas metas é atacar a pseudociência dos tribunais, que já serviu para encarcerar pessoas que não praticaram o crime processado. Embora o número possa parecer pequeno, diante da criminalidade que devasta o país, a Justiça Criminal não pode lançar ao cárcere um inocente.

O risco é que existe um crescente mercado para informações genéticas, disputadas por empresas farmacêuticas em busca de terapias, pelas empresas de seguro, que querem saber se há infortúnios programados pelo DNA dos segurados. Mas ainda não existe uma definição legal do que seja DNA. É uma propriedade pessoal? É um dado público? É um bem do Estado? É uma informação médica? A quem pertence depois de coletado? As respostas precisam ser fornecidas e o mais rápido possível. Há muita coisa valiosa em jogo.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 04 07 2023



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