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CAINDO DE MADURO
Acadêmico: José Renato Nalini
Aos que seguem na labuta diuturna, longe das luzes do Planalto, parece que o novo governo está longe de mostrar a que veio e de responder às esperanças discretas dos que o elegeram

Caindo de maduro

Os amantes da democracia têm razão para lamentar a pantomima dos afagos à ditadura venezuelana. Dizem os que acompanham o sufoco diplomático ter havido uma inobservância do texto do discurso previamente elaborado. Este parecia adequado à situação. Os improvisos é que fizeram estragos.

Falar o que vem à cabeça pode não ser o ideal para uma República séria e ainda ameaçada por golpismos que não desapareceram. Paradoxalmente, é o próprio chefe do Executivo, que ganhou uma eleição quase que por milagre, por ínfima porcentagem de votos, quem reforça o fantasma da autocracia. A cada equívoco, fortalece-se a turba irada que legitima vandalizações e que não assimilou a derrota no pleito passado.

Alguém precisaria lembrar ao presidente que a situação do Brasil hoje é outra. As redes sociais já elegeram o anterior comandante-em-chefe e disseminam o inconformismo com atitudes desastradas com uma rapidez incrível. Aqueles que já estavam insatisfeitos com a multiplicação de ministérios, com as viagens milionárias, com os recados ambíguos a respeito de temas sensíveis tendem a bandear para o outro lado se essa balbúrdia continuar.

Balbúrdia, sim. Como é que um governo que não aceita a condição vergonhosa de “pária ambiental” permite a mutilação do Ministério do Meio Ambiente? Como é que se torna refém do Parlamento, que só lhe impõe derrotas acachapantes?

Um parlamentarismo é o ideal quando se tem uma política partidária imune às fragilidades da situação tupiniquim. Em tese, o Parlamento é o poder mais relevante, pois é aquele que formula as regras do jogo. No Estado de Direito, em que nos vangloriamos de estar, ao Executivo resta a administração, que não é senão o exato cumprimento da lei. Ao Judiciário, fazer incidir a vontade concreta da lei às controvérsias, nem todas conflitivas. O Parlamento é que avulta como função normatizadora, que teria as rédeas da máquina pública. Na verdade, o poder mais próximo da população, que elege os seus representantes e que pode acessá-los para a disciplina e o controle de seus mandatos.

Não é o que ocorre no Brasil, com seus quase 40 partidos que não se distinguem entre si, tanto que o troca-troca é à base de interesses eleiçoeiros, e não por devotamento à causa pública. A política partidária se profissionalizou e bancadas temáticas lutam por espaço muito específico e se afastam, com lamentável frequência, da busca do bem comum.

Um governo com legitimidade oscilante, que já iniciou sua gestão com metade da população contra o que a sua ideologia representa, precisaria caprichar na saudável cooptação dos adversários e dos indecisos, evidenciando a sua superioridade moral em relação ao derrotado. Mas a atuação nefasta de um clima de palanque, a fustigar o lado contrário, a acentuar a opção por aquilo que a maioria dos habitantes deste país repudia, atua em favor daquele.

Quem terá condições de convencer o presidente a descer do palanque? A mostrar a ele que o mundo todo se angustia com as mudanças climáticas, provocadas pelo uso excessivo de combustíveis fósseis, e que a descarbonização é a política estatal que interessa ao planeta, não a vã ilusória pretensão de fazer com que os brasileiros todos tenham o seu carro próprio! Um veículo poluidor, o mais egoísta que se pode imaginar, que paralisa as cidades no trânsito caótico e ceifa inúmeras vidas porque emite os gases causadores do efeito estufa, mas da morte para os sujeitos ao ar pestífero das cidades.

Enquanto o mundo prega o banimento dos combustíveis fósseis, o Brasil retardado quer explorar petróleo na foz do maior rio da Amazônia, tesouro que dilapidamos antes mesmo de conhecer.

O Brasil fecha as portas para a ciência, repele o capital internacional que alavancaria nossa combalida economia, pois os empresários investiriam na República que ainda detém a última grande floresta tropical do planeta, se houvesse firmeza e seriedade em compromissos retóricos, de miserável cumprimento na ordem prática.

Aos que prosseguem na sua labuta diuturna, longe das luzes ofuscantes do Planalto, parece que o novo governo, em apenas cinco meses, longe de mostrar a que veio e de responder às esperanças discretas dos que o elegeram, está mais para cair de maduro do que de se consolidar.

Publicado no jornal O Estado de S. Paulo/Espaço Aberto
Em 07 06 2023



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