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NÃO QUEREMOS SER CAMPEÕES
Acadêmico: José Renato Nalini
O Brasil é um país competitivo. Quer sempre estar no topo. Elaborar rankings é com o brasileiro mesmo. Mania tão exacerbada, que ser vice é uma derrota.

Não queremos ser campeões

O Brasil é um país competitivo. Quer sempre estar no topo. Elaborar rankings é com o brasileiro mesmo. Mania tão exacerbada, que ser vice é uma derrota. Só interessa o primeiro lugar. Mas interessa mesmo? Para toda espécie de ranking?

Existem alguns que não nos interessam. Por exemplo: somos o terceiro país que mais encarcera. Pode-se mostrar ao mundo que quanto mais se prende, menos violência se tem? Não. Então para que manter esse tão dispendioso e inútil sistema?

Outro campeonato que não nos interessa: somos o primeiro país em assassinato de defensores da natureza. É a constatação da Global Witness. O vice-campeonato ficou com a Colômbia. Além de vergonhoso, esse campeonato escancara ao mundo a nossa indigência ecológica. O país detentor da última grande reserva natural dos trópicos, é também a que mais mata os ecologistas.

Mata e esquece. Como esqueceu Chico Mendes, Irmã Dorothy Stang e o indigenista Bruno Pereira, com o jornalista Dom Philips, na fronteira do Amazonas com a Colômbia. Exatamente o campeão e a vice-campeã em homicídio de ecologistas.

É um paradoxo que o Brasil da Constituição Ecológica de 1988, que produziu a mais bela norma ecológica do século 20, o artigo 225 da "Cidadã", seja tão perverso com aqueles que querem cumprir o comando fundante protetor da natureza.

A promissora potência verde, que elaborou o conceito de sustentabilidade, que recebeu todos os países durante a Eco-92, em poucos anos passou à condição de "pária ambiental", convidando a boiada insana a se valer da flexibilização da normatividade tutelar.

A presença de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente e a de Rodrigo Agostinho a responder pelo IBAMA é uma promessa. Mas ela precisa ser cumprida. Não se pode oscilar quando o IBAMA proíbe a exploração de petróleo na foz do Amazonas e o chefe do Executivo diz "parecer impossível" essa negativa. Sugerindo desautorização de sua Ministra, numa reincidência específica do que já ocorreu no passado.

O mundo é outro e está olhando com bastante apreensão para o Brasil. A Comunidade Europeia já proibiu a aquisição de bens produzidos em áreas de desmatamento. É um recado claro aos brasileiros. E não se iludam pensando que a China continuará a comprar sem perquirir da origem de nossas comodities. Ela "verdejou" em silêncio, como sói acontecer. E está muito preocupada com a elevação da temperatura mundial, porque as mudanças climáticas atingem a todos e prejudicam principalmente os mais pobres.

Uma boa notícia, mas que precisa ser concretizada em suas outras etapas, é a remessa ao Congresso do termo de Acordo de Escazu sobre Democracia Ambiental. O Brasil assinou em 2018, juntamente com outros vinte e três países e agora o Parlamento precisa ratificá-lo.

Ele fortalece três eixos: acesso à informação, participação pública e acesso à Justiça em assuntos ambientais. Prevê mecanismos específicos de proteção a defensores ambientais. Algo em que o Brasil está na contramão.

Os ogros do agro serão contra, é claro. Mas há agricultores sensatos, que sabem que a natureza é a principal aliada de quem produz e quer continuar a produzir, sem colher os impactos da alteração do clima gerada pelo insano proceder do bicho-homem.

A desertificação da Amazônia, do Cerrado e da Mata Atlântica, representará abreviação do fim da história humana sobre o planeta. Sem água não se vive, ao contrário do que ocorre com o petróleo, cujo uso já deveria ter sido banido há décadas.

Instaurar uma Democracia Ambiental num país que escolheu o estado de direito de índole democrática para assentar o seu projeto de nação é imprescindível. Representará o retorno do país ao grupo dos realmente empenhados em salvar a humanidade, ameaçada de extinção em virtude da profunda mutação climática derivada de nossa ignorância cúpida.

Espera-se que o Parlamento se porte com dignidade e que o discurso salvífico da vida se sobreponha à mesquinharia dos vinténs que resultariam de uma exploração impiedosa da natureza tupiniquim. A aprovação do Acordo de Escazu poderá nos retirar do topo dessa lista indesejável: a dos maiores assassinos de heróis ambientalistas. É o tipo de campeonato que não desejamos para uma Pátria que se diz viver em fraterna harmonia entre todos os viventes. Humanos ou não, mas partes indissociáveis de uma única natureza.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 05 06 2023



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