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EXCENTRICIDADE OU FOLCLORE?
Acadêmico: José Renato Nalini
Alguns episódios pitorescos merecem relembrança, um envolvendo um professor

Excentricidade ou folclore?


Em tempos idos, os docentes eram reverenciados pelos alunos, bem conhecidas as suas manias ou excentricidades. Até irreverência havia, porque aluno, seja qual for a sua idade, vê-se transportado para a primeira infância e se comporta de acordo com essa fase.

Quando se estuda o perfil dos primeiros professores da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, recupera-se uma crônica saborosa que se perdeu com a multiplicação de Faculdades, com a proliferação de alunos e de professores. Na graduação, é muito difícil o estabelecimento de relações mais próximas, o que era a praxe antigamente. Já na pós-graduação é possível um contato direto, o acompanhamento nas leituras, nas pesquisas e no conhecimento da personalidade do orientando.

Alguns episódios pitorescos merecem relembrança, um envolvendo um professor, o outro um aluno que fazia jus à fama de excêntrico.

O primeiro deles contempla o Padre Manuel Joaquim do Amaral Gurgel, que foi diretor da São Francisco entre 1857 e 1864. Diz-se que, até então, a Faculdade não tivera diretor que melhor conciliasse com o devido respeito ao cargo, a simpatia dos estudantes. Era unânime a estima que a ele devotavam os colegas, os funcionários e todos os que se relacionassem com sua têmpera serena e amável.

Tão bondoso que, algumas vezes, a presidir exames preparatórios, condoendo-se da situação vulnerável do examinando, discretamente assoprava para ele as respostas. E se acontecia do examinador considerar errada a resposta do estudante, Manuel Joaquim corava e baixava o semblante, visivelmente contrariado.

Um outro caso se deu com Pedro Rodrigues Fernandes Chaves, um gaúcho, - não confundir com o Ministro Pedro Rodovalho Marcondes Chaves, que chegou ao STF - grande político à época. Exerceu a Magistratura e foi deputado. Presidiu a Província da Paraíba entre 1841 e 1843. Quando a Província de São Pedro do Sul passou a contar com mais uma cadeira de Senador Vitalício, a lista tríplice era ocupada em primeiro lugar por Vieira da Cunha - 261 votos. Em seguida, Conde de Porto Alegre - 222 votos e - Pedro Chaves 186.

Prevalecia o resultado da eleição e a carta de nomeação chegou a ser assinada pelo Imperador. Mas os gaúchos não o queriam. A tal ponto, que se expediu um emissário para interceptar o correio e invalidar a nomeação. A partir daí, Vieira da Cunha ficou conhecido como Senador do Aterrado, pois foi o local em que se conseguiu alcançar o correio para abortar a nomeação.

Mas Pedro Chaves era muito impulsivo. Foi acusado em debates por um adversário em plena Assembleia Provincial de Porto Alegre e não teve dúvidas: quebrou-lhe os óculos.

Doutra feita, sentiu-se injuriado por um jornal adversário. Tentou dominar a cólera e, aconselhado por familiares e amigos, foi conversar com o redator. Iniciou o diálogo mais como queixa do que como revide.

- O seu jornal é muito violento e o senhor não me poupa!

- O que quer, senhor Senador? É uma contingência dos tempos.

- Muito desagradável para mim, há de convir...

- E também para mim, senhor Senador. Acredite Vossa Excelência.

- Pois então, já que o senhor é tão amável, há de fazer-me o favor de dar-me um copo de água...

Atendido, Pedro Chaves colocou o copo sobre a mesa e, tirando calmamente do bolso uma tira do jornal, com a notícia que o atingira, amarrotou-a, dela fez uma bolinha e ofereceu ao interlocutor:

- O complemento do favor é este: o senhor vai engolir este papel. É o artigo injurioso que contra mim escreveu. Aquela água lhe facilitará a ingestão da pílula e lhe acalmará os nervos.

- Que é isto, senador! É um gracejo de mau gosto...

- Ande, engula já, senão...

Nada mais disse, mas encostou o cano de seu revólver na testa do jornalista. Que preferiu capitular, sujeitando-se à terapêutica.

Hoje não existe mais, ao menos como regra, o registro de ocorrências ingênuas como estas. Os jornais preferem explorar as desgraças da política, os infaustos, as tragédias, as péssimas notícias com as quais acordamos e que nos acompanham durante o dia todo, até o leito da insônia.


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 21 05 2023



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