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AROUCHE X BROTERO
Acadêmico: José Renato Nalini
não faltam historiadores para relatar episódios em que a protagonista é a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco

Arouche x Brotero

Embora escasseiem, não faltam historiadores para relatar episódios em que a protagonista é a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a primeira escola de ciências jurídicas do Brasil. Todavia, não houve sucessor para a obra de José Luís de Almeida Nogueira, que escreveu "A Academia de São Paulo - Tradições e Reminiscências". É um delicioso relato que, a par de registro de nomes e datas, oferece também o que ocorria nos bastidores, encarando esquisitices dos temperamentos que surgiram na primeira fase de existência das Arcadas.

Vale a pena devorar os volumes que surgiram em 1907, mas que tiveram, setenta anos depois, republicação patrocinada pela Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado. Um dos episódios curiosos e instigantes da primeira fase da São Francisco foi a animosidade surgida entre o primeiro diretor, José Arouche de Toledo Rendon (1756-1834) e o primeiro lente nomeado, José Maria de Avelar Brotero (1798-1873).

O benemérito Arouche foi diretor da Academia de 23 de agosto de 1827 a 19 de agosto de 1833. Inúmeras vezes pediu demissão do cargo ao Imperador, mais por desgosto com os atritos no relacionamento com Brotero, o primeiro professor nomeado para a Faculdade, em 13 de outubro de 1827.

Os reiterados pedidos recebiam a resposta de que os serviços de faziam indispensáveis ao Estado e por isso, Sua Majestade havia por bem negar-lhe a solicitada demissão. Os pedidos também eram respondidos com a outorga da Ordem do Cruzeiro, o que garantia mais uma temporada de tolerância. Mas é interessante verificar o quão desgastada era a relação entre ambos. Uma carta de 28 de fevereiro de 1829, com nada menos do que quinze laudas, termina de forma contundente: "...em conclusão de tudo, um dos dois (eu e Brotero) é criminoso; um dos dois deve deixar o lugar, que é a menor pena. Eu quero ser o réu. Para o que, levo submissamente ao conhecimento de Vossa Excelência que me fará um grande favor em fazer subir à augusta presença de Sua Majestade, o Imperador, que eu, desde a flor da minha idade, tenho fielmente servido ao Estado e a Sua Majestade Imperial, bem como ao seu augusto pai o Senhor Dom João VI, que muito me estimou e honrou; que tenho arruinado a minha fortuna no serviço do Estado, que estou na idade de 73 anos, idade em que não só faltam as forças do corpo, como do espírito. Que me não acho com forças de poder aturar e sofrer a um homem que, se não é mais alguma coisa, é decerto um louco, capaz de atacar moinhos; e que, portanto, em prêmio dos meus serviços, me conceda a demissão de diretor, para viver em paz os poucos dias que me restam".

Idêntico pedido e mesmas queixas, ainda mais veementes, foram reiteradas em ofício de 10 de setembro de 1829 e no de 11 de dezembro desse mesmo ano. Neste último, Arouche faz juntar uma publicação que acompanhou o exemplar da véspera do "Farol Paulistano". Desse impresso, do qual não se guarda notícia, deveria constar críticas a Brotero. Arouche acrescenta que, durante a discussão do projeto de estatutos da Academia, Brotero, a quem chama de "falador", primava pela grosseria.

Era tamanho o ressentimento de Arouche Rendon, que ele menciona o episódio da prisão de Brotero, durante cinquenta dias, em Coimbra e que também estivera desterrado ou fugitivo na Ilha da Madeira. Chama Brotero de "estrangeiro", pois nascera em Portugal e pede que o Ministro da Justiça José Clemente Pereira, a quem o ofício era dirigido, avaliasse "o estado crítico em que me vejo, pois deve Vossa Excelência julgar que, se não sou insensível, devo existir em um iminente perigo de perder a cabeça e fazer quanto a cólera me obrigar".

Havia, de fato, a possibilidade de que as rusgas chegassem às vias de fato. O diretor narra o exercício de paciência que era relacionar-se com Brotero: "É verdade que quando vou encontrar-me com aquele homem, vou disposto a sofrê-lo, e que o sangue já me circula nas veias vagarosamente; mas nem por isso deixa de ser certo que sou homem e que podem chegar as coisas a um ponto que eu perca o tino".

O magnânimo Arouche implora que a demissão lhe seja concedida "mesmo por humanidade" e que o Imperador o "aparte deste perigo" que era conviver com Brotero. Quando Clemente Pereira foi substituído pelo Marquês de Caravelas, Arouche renovou as súplicas, dizendo: "eu e só eu, vivo no maior desgosto e continuamente insultado por um estrangeiro, o dr. Brotero, que aqui é lente do 1º ano por contrato". Ainda assim, só três anos depois é que a demissão lhe foi concedida.

Mas o que, na verdade, Brotero teria feito a Arouche?

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 18 05 2023



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