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VAI AFUNDAR. E DAÍ?
Acadêmico: José Renato Nalini
As mudanças climáticas atingirão todo o mundo e toda espécie de vida. Ricos e pobres sofrerão iguais consequências.

Vai afundar. E daí?

As mudanças climáticas atingirão todo o mundo e toda espécie de vida. Entre os humanos, ricos e pobres sofrerão iguais consequências. É claro que os que podem vão encontrar fórmulas de sobrevivência inalcançáveis para os carentes. Mas há situações incontornáveis que igualam pobres e ricos. Uma delas é a da população de Vanuatu, nação insular do Pacífico. A ilha pode submergir diante da elevação do nível do mar.

Sua população há muito emite pedidos de socorro. Praticamente ninguém presta atenção. Um resquício de esperança está na atitude da Corte Internacional de Justiça, que passa a avaliar as obrigações legais dos Estados de proteger as gerações atuais e futuras das mudanças climáticas.

Isso resulta de uma deliberação de países em apoio a uma resolução da ONU. A partir dela, o principal órgão jurídico da Organização das Nações Unidas pode incentivar a proliferação de litígios no Judiciário de muitos países, principalmente aqueles que não cumprirem leis e tratados internacionais existentes.

Pedagogicamente, a opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça poderá servir de orientação para os governos, sobre o que devem fazer para defender os direitos humanos e o meio ambiente, em relação aos danos climáticos.

Justamente os maiores emissores de gases causadores do efeito estufa, os Estados Unidos e a China, deixaram de aprovar a resolução. Mais de cem países copatrocinaram a providência, considerada um marco histórico para a Justiça Climática Internacional.

Já existem processos em curso junto a Estados mais adiantados em termos civilizatórios e sensíveis à ética ambiental. Só que a maioria dos litígios resta arquivada, eis que a ONU é um órgão consultivo, sem condições de impor sanções aos Estados que não perfilham sua orientação.

Mas é uma questão de Justiça fazer com que Estados negligentes ou insensíveis em relação ao maior perigo que ronda a Terra e ameaça a vida que nela se desenvolve, respondam por suas ações ou omissões letais.

Ou seria justo permitir que Vanuatu, Antígua e Barbuda submerjam e sejam extintas, porque a maior parte dos terrestres não quis praticar ascese ou reprimir a volúpia do desenfreado consumismo?

Os oceanos também estão sofrendo a inconsequência do bicho-homem. Tornam-se ácidos, assistem à eliminação dos corais, a redução das espécies marinhas e, enquanto ilhas de verdade afundam, surgem outras: tétricas ilhas de pet e de lixo produzido pela falta de educação ecológica do ser que se autodenomina racional.

Crianças e jovens dessas nações-insulares pediram também ao Tribunal Internacional do Direito do Mar divulguem quais as obrigações legais dos países em relação à tutela dos ambientes oceânicos, principalmente por força das mudanças climáticas.

Se o convencimento persuasivo da humanidade não está surtindo efeito, a resposta que a consciência ecológica pode oferecer aos resistentes a uma conversão é a sanção. É óbvio que existe sanção positiva: o estímulo à adoção de condutas compatíveis com a vulnerabilidade da Terra e de seus ecossistemas. Mas quando a sanção positiva é insuficiente, falha, é preciso recorrer à sanção negativa.

Para os Estados cúpidos e ambiciosos, o melhor castigo é a pena pecuniária. O bolso, tanto para os humanos como para os governos, é o órgão mais sensível. Quando tiverem de dispor de seus Tesouros para indenizar os lesados pela súbita e drástica mudança do clima, talvez se compenetrem de que precisam prestar mais atenção à educação ambiental e à ética ecológica.

Na COP27, os países concordaram com a criação de um fundo de perdas e danos para auxiliar os países mais vulneráveis. A avaliação da Corte Internacional de Justiça é um passo adiante, na formação de uma consciência ecológica global. E coincide com a audiência realizada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos para discutir se a Suíça pode e deve fazer mais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, de maneira a melhor proteger o direito de seus cidadãos. Dos viventes e dos nascituros.

Ainda existe um resquício de consciência para revigorar ditames de uma Justiça Climática ainda a engatinhar, mas com todo o potencial para atuar como as demais Justiças e para fazer valer suas decisões.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 09 05 2023



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