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IR DIRETO A QUEM MANDA
Acadêmico: José Renato Nalini
É mais fácil ao munícipe conversar com o Prefeito e fazê-lo ouvir seus reclamos e sugestões, do que chegar até o Presidente da República.

Ir direto a quem manda

Discute-se, ainda hoje, se foi acertada a estratégia do constituinte de 1988 ao erigir o Município a entidade federativa. Para alguns, a assimetria da Federação brasileira ganhou em exotismo. Quase seis mil municípios como parceiros dos vinte e sete Estados e da todo-poderosa União, pouco poderiam fazer valer em termos de federalismo.
Penso que o município deva ser prestigiado e não minimizado. Verdade que ganhou competências e atribuições. Mas ainda permanece incapacitado de fazê-las valer, pois o complicado sistema tributário, cada vez mais cruel em relação ao contribuinte, não permite que a cidade faça tudo o que deve fazer para a sua população.

Não me canso de citar Franco Montoro: as pessoas não nascem na União, nem no Estado. Nascem no município. É aqui que tudo acontece. E a melhor forma de se promover uma Democracia Participativa é realizá-la no município. É mais fácil ao munícipe conversar com o Prefeito e fazê-lo ouvir seus reclamos e sugestões, do que chegar até o Presidente da República.

Nada obstante, porque essa volúpia, esse frenesi, essa vassalagem que a maior parte da população cultiva em relação ao Chefe do Executivo Federal?

A explicação talvez esteja na nossa tradição de colônia. Submissa à Corte. Afeiçoada aos rapapés da monarquia. Ávida por participar, ainda que na mera recolha das migalhas do banquete real, das pompas e circunstâncias da nobreza.
Foi assim, por exemplo, que se resolveu o dissídio das lideranças paulistas em agosto de 1822, um mês antes da proclamação da Independência. As pessoas gradas, que não participaram da inimizade entre os adeptos dos Andradas e de Souza Queiroz, endereçaram ao Príncipe D. Pedro mensagem que dizia: "Senhor: os habitantes da cidade de São Paulo, assombrados em extremo com as medidas violentas e hostis que os executores militares das ordens de Vossa Alteza Real inconsideravelmente se abalançaram a por em prática, suplicam, humildemente a Vossa Alteza Real, se digne benigno atender sobre os habitantes desta cidade".

Foi demonstração da tradição ibérica de recorrerem, os súditos, no âmbito municipal, diretamente ao soberano, para que este, por intervenção pessoal, reparasse os erros dos intermediários que não sabiam interpretar sua benigna vontade.

Pedro I realmente veio. Sua presença simbólica foi o suficiente para dissipar as rivalidades locais entre pessoas e famílias. São Paulo permaneceu plenamente obediente à autoridade real.

Uma contenda entre personalidades paulistas trouxera o Príncipe a São Paulo. O povo paulista o aclamou Rei. Um monarca charmoso e conquistador. Precedia-o a fama de suas aventuras extraconjugais. O cidadão Daniel Pedro Müller advertia suas cinco belas filhas: "A primeira de vocês que sair à rua, ou chegar `a janela, enquanto D. Pedro estiver em São Paulo, tem de se haver comigo".

Namorador, estroina, impulsivo, Pedro I não resistiu aos encantos de Domitila de Castro do Canto e Melo, a quem conheceu durante essa visita a São Paulo. O romance durou sete anos e deu a D. Domitila o título de Marquesa de Santos, diz-se que para provocar José Bonifácio de Andrada e Silva, que caíra em desgraça junto ao Imperador.

Depois do retorno de D. Pedro I a Portugal, Domitila se casou com Tobias de Aguiar, paulista de destaque e, entre 1840 e 1850, foi a mais distinta matrona da sociedade paulistana. Seu salão foi um dos primeiros agentes cosmopolizadores na cidade.

Deve-se também à Marquesa de Santos haver influenciado o Imperador para que a Faculdade de Direito fosse instalada em São Paulo. A Corte repudiava essa ideia. Questionou-se o clima, a incultura, a caipirice, o provincianismo de São Paulo, cujo povo falava algo que não parecia português. E não era mesmo! Era nhengatu!

Defenderam São Paulo alguns seus deputados, que enfatizaram ter sido esta Província aquela de mais influente e poderosa opinião, superior à opinião da Corte. "Se os paulistas, faltos de todos os meios de instrução, tendo a lutar com tantas dificuldades, tem sempre enobrecido o catálogo dos sábios do Brasil, acaso degenerarão, quando se lhes proporcionarem e facilitarem os meios de exercitar os seus talentos?".

Pedro I criou, em 1827, duas escolas de direito: em Olinda e em São Paulo. Domitila foi diretamente a quem manda, para trazer à sua terra uma instituição que mudaria - e de forma profunda - não apenas São Paulo, mas todo o Brasil.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, 14 de abril de 2023.



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