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SÃO PAULO, A DILETA DO IMPERADOR
Acadêmico: José Renato Nalini
O amor de Pedro I a São Paulo foi reforçado com a paixão pela Domitila, depois Marquesa de Santos e pelo respeito devotado aos Andradas.

São Paulo, a dileta do imperador

A Província de São Paulo passou muito tempo à deriva, não entrando na cogitação da metrópole. Sua gente se desenvolveu no trabalho, no cultivo e na busca de autonomia. As propriedades rurais eram autossuficientes e isso durou até há pouco tempo. A vocação bandeirante de sítios propiciava o desenvolvimento de verdadeiras autarquias. Extraía-se da terra praticamente tudo o que era necessário à subsistência. Lamentavelmente, essa vocação se viu coartada pela monocultura da cana de açúcar, fazendo com que o Estado inteiro se convertesse num imenso canavial.

Antes disso, as atividades ligadas à lavoura predominavam. Parco beneficiamento de produtos agrícolas, a feitura de conservas, a destilação de aguardente e o curtimento de peles. Uma tosca fabricação manual de algodões e lãs grosseiros.
Inexistia a mão-de-obra flutuante. Artesanato e indústria rústica eram domésticos ou entregues a artífices, que tinham de se submeter a exames administrados pelo escrivão de cada ofício, antes de a Câmara os autorizar a exercê-lo. Basta dizer que em 1820, havia em São Paulo quatro sapateiros, quatro alfaiates, dois seleiros, um caldeireiro e um carpinteiro, qualificados como "mestres examinados". Eram os único s a quem se permitia trabalhar para o público e com loja aberta. Alguns deles eram escravos.
A velha tradição lusa de que o trabalho braçal era inferior fazia com que os artesãos considerassem o seu mister como um mal ocasional e se permitiam de longos intervalos de indolência. Ocorria de o seleiro não ter couro e o carpinteiro não ter madeira. Se o freguês adiantava recursos para aquisição de material, era frequente que o dinheiro fosse desviado para outros fins.

Todavia, o clima e o baixo custo de vida paulista faziam com que São Paulo fosse recomendado como lugar ideal para a futura indústria brasileira. Dom João VI também assim pensava, tanto que fez transferir para São Paulo, em 1816, uma fábrica de armamentos que se estabelecera no Rio e estava paralisada. Mas em 1822, apenas seiscentos fuzis tinham sido fabricados.

O Príncipe Regente se preocupou também com pequena fábrica de tecidos fundada em 1811 e que funcionou até 1824. Outro projeto era a filial paulista do Banco Central, para estimular comércio e agricultura. Ela também só funcionou até à partida de D. João para Portugal.

Isso ocorreu em 1821, quando a Constituição liberal promulgada na metrópole exigia a presença do rei. Os paulistas não reconheceram as novas Cortes Constituintes de Lisboa, recusaram-se a cumprir o novo pacto.

Em 1º de outubro desse mesmo ano, um decreto ordenou a volta de D. Pedro, que permanecera no Brasil como regente. A Câmara Paulistana e o governo provincial se indignaram com o desrespeito às prerrogativas brasileiras e enviaram contundentes apelos a D. Pedro no Rio. A representação mencionava que os Conselheiros José Bonifácio de Andrada e Silva, o Coronel Antonio Leite Pereira da Gama Lobo e o Marechal José Arouche de Toledo Rendon iriam n arrar ao Príncipe as terríveis consequências que adviriam de sua partida. Foi também para atender a essa petição que o Príncipe exclamou o seu "Fico". A 16 de janeiro de 1822, nomeou um Ministério para o Brasil, integrado por quatro membros, dos quais a principal figura e único brasileiro nato era José Bonifácio, o Ministro do Reino, Justiça e Estrangeiros.

Vindo pacificar São Paulo, onde se opunham os adeptos aos Andrada e os seguidores de Francisco Inácio de Souza Queiroz, Pedro conseguiu dissipar as rivalidades locais. Desceu a Santos, para inspecionar fortificações e visitar a família de José Bonifácio. Quando voltou a São Paulo, junto ao riacho do Ipiranga, proclamou a independência.

O amor de Pedro I a São Paulo foi reforçado com a paixão pela Domitila, depois Marquesa de Santos e pelo respeito devotado aos Andradas. Por isso, justifica-se a sua proclamação no dia seguinte à Independência: "Honrados paulistanos: o amor que eu consagro ao Brasil em geral e à vossa província em particular, por ser aquela que perante mim e o mundo inteiro fez conhecer primeiro que todas o sistema maquiavélico, desorganizador e faccioso das Cortes de Lisboa, me obrigou a vir entre vós fazer consolidar a fraternal união e tranquilidade, que vacilava e era ameaçada por desorganizadores, que em breve conhecereis, fechada que seja a devassa a que mandei proceder".

Essa predileção por São Paulo talvez tenha justificado certo ressentimento de outras províncias e a preterição aos bandeirantes, que se acentuou em 1932 e que prevalece, embora ambígua e disfarçada, até 2023.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão, 13 de abril de 2023.



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