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VOCÊ SE ACHA ÉTICO?
Acadêmico: José Renato Nalini
Viver eticamente pode ser a chave de encaminhamento dos problemas que apenas aparentemente são insolúveis. Sua solução pode estar em cada um de nós.

Você se acha ético?

Antes o verbete era utilizado no discurso. Tem-se a impressão de que agora, nem ali reside mais. Ética passou a ser antiqualha. Algo destinado à arqueologia. A desfaçatez ocupou o seu lugar. Sem qualquer cerimônia, ocupantes de cargos remunerados pelo povo adotam práticas incompatíveis com as necessidades coletivas. Já não há escrúpulos, nem constrangimentos. A anomia moral prevalece a reinar, soberana, sobre o país das maravilhas.

Contudo, ética não é algo sofisticado. Quando se pergunta ao australiano Peter Singer, professor na Universidade de Princeton, New Jersey, nos Estados Unidos o que ele pensa a respeito de ética, ele responde: "A ética é um exercício diário, precisa ser praticada no cotidiano só assim ela pode se afirmar em sua plenitude numa sociedade. Se uma pessoa não respeita o próximo, não cumpre as leis da convivência, não paga seus impostos ou não obedece as leis de trânsito, ela não é ética. Num primeiro momento, pequenas infrações isoladas parecem não ter importância. Mas, ao longo do tempo, a moral da comunidade é afetada em todas as suas esferas. Chamo a isso de círculo ético. Uma ação interfere na outra, e os valores morais perdem força, vão se diluindo. Para uma sociedade ser justa, o círculo ético é essencial".

Utilizo-me da metáfora circular para explicar aos educandos que nós começamos por negligenciar pequenas atitudes. Hábitos corriqueiros como dizer "bom dia", "obrigado", "com licença" e "perdão" ou "desculpa". Aquelas palavras mágicas tão enfatizadas pelas mães de antigamente. Em nossos dias, em alguns círculos predomina certa grosseria. Maus modos, insensibilidade, falta de berço. Quando se ingressa em tal trajetória, não é raro incursionar por infrações mais graves.

No país dos contrastes, há seres humanos esquecidos, praticamente invisíveis, enquanto pets merecem tratamento diferenciado. É óbvio que todos os seres suscetíveis de sofrimento devem ter os seus interesses considerados de forma equânime. Mas a chamada "regra de ouro" é destinada ao relacionamento entre os humanos: "Fazer aos outros o que queres que eles te façam".

No Brasil de trinta e três milhões de famintos e de cento e vinte milhões de seres submetidos a insegurança alimentar, é preciso que cada qual faça um exame de consciência a respeito do que está fazendo para mitigar essa humilhante mácula ou se integra o grupo dos que insistem em fazê-la ainda pior.

Outro paradoxo deveria nos inspirar nessa reflexão. Temos fome e temos obesidade. O Brasil desperdiça alimento. Pessoas ditas "bem educadas" servem-se em demasia e deixam no prato aquilo que poderia saciar irmãos famintos. Além de se cometer o pecado de "jogar comida fora", ainda se prejudica a natureza e o meio ambiente.

A ausência de preocupação com a ética no lar, onde a primeira mestra nem sempre está disposta a educar sua prole, faz com que a maioria das pessoas enxergue as demais como ficções. Tropeça-se nas ruas com os que optaram por morar nesses logradouros públicos, assim como alguns defendem - ou que não tiveram outra escolha - e precisam de um destino mais digno do que ocupar passeios e espaços destinados ao uso comum de todos. É como se isso não nos dissesse respeito. Mas uma sociedade que joga para a sarjeta os desvalidos é uma sociedade corrompida. Uma comunidade humana que perdeu o sentido. Uma sociedade sem alma.

Você já se imaginou no lugar de um desses "moradores de rua"? Já considerou o que seria a sua existência se lançado a uma existência desprovida de praticamente tudo? Satisfaz-se com a escusa de que "isso é problema do governo"? Considera cumpridas as suas obrigações quando paga os impostos?

A cada resposta dada, pode-se aferir o seu termômetro ético. Todos nós precisamos aferir, cotidianamente, qual a nossa postura e qual a nossa resposta concreta a problemas que vivenciamos e que temos o hábito de atribuir a causas estranhas ao nosso comportamento.

É muito simples repetir: quem não é parte da solução, é parte do problema. Não há segredo. Ou você se converte em ser humano ético, empenhado em aprimorar o convívio, ou continuará a assistir à degradação que explica muitos dos dramas que atormentam a humanidade.

Viver eticamente pode ser a chave de encaminhamento dos problemas que apenas aparentemente são insolúveis. Sua solução pode estar em cada um de nós.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 21 03 2023



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