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FUGA À UNIVERSIDADE
Acadêmico: José Renato Nalini
Algumas pesquisas detectaram há tempos o desinteresse de muitos jovens pelo ensino universitário. Tendência que se intensificou em virtude da pandemia.

Fuga à universidade

Algumas pesquisas detectaram há tempos o desinteresse de muitos jovens pelo ensino universitário. Tendência que se intensificou em virtude da pandemia. O cenário não deve ser necessariamente preocupante. Apenas reflete a profunda mudança estrutural do mundo e da sociedade, em virtude do irreversível mergulho na ciência e tecnologia produzidas pela Quarta Revolução Industrial. Diploma, em nossos dias, não significa muita coisa. As empresas sabem disso. Não contratam pelo diploma, porém por outras aptidões que a educação formal negligenciou e continua a ignorar: as chamadas competências socioemocionais. Uma pessoa hoje precisa ter empatia, capacidade de comunicação, sensibilidade, gostar de gente, condições de se adaptar ao inesperado, curiosidade permanente, amor pelo autodidatismo.

As Universidades, em geral, - ressalvem-se honrosas exceções - ficaram congeladas num saber estéril. Mais do mesmo. Aulas prelecionais, com a leitura de textos que podem ser obtidos mediante um clique, mais atualizados, coloridos, musicais. A juventude inteligente não se ajusta ao ensino convencional. Tanto que a evasão é um fenômeno que se agrava na fase do Ensino Médio. O jovem antenado sabe que as profissões de hoje em breve desaparecerão e as que serão necessárias ainda sequer têm nome. Por isso aventuram-se e vão inovar, ser criativos, empreendedores, não se submetem àquilo que um mercado em plena obsolescência ainda procura incutir neles. Aventuram-se e dão certo. Enquanto aqueles que procurarem os diplomas tradicionais, poderão se frustrar ao perceberem que os anos perdidos ouvindo aulas insossas e desinteressantes de nada serviu para garantir sua sobrevivência digna e menos ainda para assegurar a prometida ascensão social.

Há quem sustente que o ensino à distância poderá substituir o aprendizado convencional. Em tese, este se encontra em franco declínio. A tecnologia é muito eficiente. A cada dia se renova. Não há mais sentido em obrigar um grupo grande a permanecer trancado num espaço, naquela distribuição física anquilosada: fileiras paralelas, com o último aluno a enxergar apenas a nuca dos colegas à frente. Professores que repetem as mesmas informações, quando todo o universo do conhecimento está disponível a quem tenha vontade e curiosidade para consultar milhões de obras literárias que já caíram em domínio público, visitar bibliotecas, ler as teses e dissertações já aprovadas, entrar em museus e ter acesso a entrevistas e artigos científicos do mundo inteiro. O tempo perdido para se locomover até à escola não justifica a preservação desse modelo ultrapassado. Tudo mudou. Observe-se que a locomoção hoje agride a natureza. Ela é feita prioritariamente com o uso de automóvel, o veículo mais egoísta da face da Terra e que funciona com o combustível fóssil, que envenena nosso planeta. É preciso perder o complexo "Maria Bethânia": "olhos nos olhos". O que o mundo quer é resultado, celeridade e eficiência. O mais será descartado.

Cresce o número dos que optam por formações mais rápidas em lugar da faculdade. O ensino profissional, o aprendizado técnico, está a ganhar ampla adesão. Na minha modesta opinião, só os mais inteligentes se encaminham por essa via. O Brasil está saturado de advogados. Ele precisa é de marceneiros, pedreiros, paisagistas, jardineiros, cuidadores de pessoas com necessidades especiais, artesãos, guias turísticos, cozinheiros, especialistas em gastronomia, em formar viveiros, hortas, em restaurar nascentes. Os jovens mais brilhantes vão para a área dos games, dos audiovisuais, dos curtametragens, fazem programação. Conseguem criar aplicativos, pois hoje ninguém vive mais sem o mundo web. É só comparar o que ganha hoje um profissional capaz de fazer aquilo que para os "doutores" era algo inferior - pedreiro, eletricista, marceneiro, carpinteiro, jardineiro, mecânico, etc. - e o que ganham os bacharéis. Diploma hoje só tem servido, para quem o não leva realmente a sério, para enfeitar escritórios que mal sobrevivem ou para satisfazer uma vaidade que já caiu na arqueologia da História. Precisamos perder esse complexo colonialista de considerar algumas tarefas menores, enquanto o portador de um diploma universitário merece todas as glórias.

Quando o indivíduo tem certeza sobre o que quer, quando ele aposta em si, quando ele tem curiosidade, procura saber mais do que o professor ensina, ele pode tirar real proveito de sua formação. Hoje tudo está disponível: obras que caíram em domínio público, bibliotecas do mundo inteiro, artigos científicos, coleção de teses e dissertações. Quem quer aprende, mesmo sozinho. Quem não quer se satisfaz com um diploma. Daí a recomendação: faça aquilo que o tornará feliz. Inove. Seja ousado. Crie. Empreenda. Não se torne refém de modelos superados. O mundo mudou. Quem não enxergar isso será descartado como tudo aquilo que o consumo cria e logo torna obsoleto.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão
Em 15 02 2023



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