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QUEM PARTICIPA DA VIDA DA CIDADE?
Acadêmico: José Renato Nalini
Hoje, a participação da cidadania na gestão das cidades é pífia

Quem participa da vida da cidade?

O ideal da democracia é que ela seja participativa. Que propicie a todos os indivíduos a condição de opinarem sobre a coisa pública ou de interesse comum. Costuma-se elogiar o modelo grego, que teve lugar no século V antes de Cristo, o "século de Péricles".

Elogia-se bastante porque não se vivenciou essa era. Os gregos que se reuniam na ágora para decidir os rumos da gestão local eram apenas os do sexo masculino, cidadãos livres, que não tivessem de trabalhar com força física. Na verdade, eram poucos os habilitados a fazer valer sua vontade nesses encontros.

A densidade demográfica impede a congregação física de milhões de pessoas. Inventou-se a representação e esta se mostrou também falível. O representante passa a ignorar o representado. Faz o que lhe apetece. Pior ainda, faz aquilo que convém a ele e a seu bolso.

Quando se pleiteia o retorno à Democracia Participativa, não se pode cultivar ilusões. Todavia, ela se viabiliza em termos, se tivermos coragem de nos servir para finalidades úteis e sadias as tecnologias da informação e da comunicação. Se pudermos aferir a vontade cidadã para temas de real interesse da cidade, poderemos atenuar o monopólio de setores que, em nome da participação, defendem interesses muito bem localizados e até privilégios.

É o que acontece quando, por exemplo, algumas entidades obstaculizam na Justiça empreendimentos que atenderão a uma coletividade necessitada de moradias, a pretexto de salvar a "qualidade de vida" de uma determinada área.

O importante, nesta fase em que o município de São Paulo necessita, com urgência, de um milhão de moradias, é atender a esse direito fundamental de que estão privados milhões de paulistanos. Os "incluídos", os "abonados", os protegidos pela sorte capitalista conseguem edificar novos enclaves em lugares que vão descobrindo e vão blindando, para usufruir de privacidade. Já os excluídos, os carentes, os deserdados pelo sistema necessitam de residência próxima ao local de trabalho. Não é justo passem horas dentro de ônibus, interligado com trem ou metrô, para chegar à sua fonte de subsistência.

A ciência comprova que a qualidade da tomada de decisões na política pública se aprimora na proporção em que considera as necessidades específicas de cada área. E na área do centro expandido, aquela melhor servida por infraestrutura e pela rede garantidora da mobilidade, o transporte coletivo, a urgência específica é a de unidades residenciais. Os programas urbanísticos de megalópoles como São Paulo não podem ser feitos por nefelibatas ou por "engessadores" do espaço público. Os programas habitacionais hão de ser construídos a partir de dados sólidos, de evidências, que permitam resposta mais assertiva aos problemas. Isso é o que significa gestão inteligente e eficaz.

Para questões complexas, as soluções hão de ser múltiplas e heterogêneas. Insucesso já comprovado pretender que um Plano Diretor dê conta de uma cidade que não para de crescer e de se transformar e que é espelho das desigualdades cruéis que separam os brasileiros entre os incluídos e os excluídos dos direitos fundamentais.

As políticas públicas não podem ser a exclusiva opinião de renomados especialistas, tecnicamente eruditos, mas na prática inimigos de algo chamado "gente". Elas têm caráter intersetorial e têm de ser baseadas em evidência. Há uma evidência flagrante na capital: a falta de moradia digna para milhões de habitantes da desvairada conurbação. Por isso a resposta do Poder Público, órgão sustentado por todos - mas, principalmente, pelos mais pobres -, há de envolver diferentes segmentos da sociedade, não os exclusivamente interessados em reservar seus oásis dentro do deserto habitacional predominante.

Isso atende também a vários dos ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, pois fazer o trabalhador residir numa área de entorno ao seu emprego faz diminuir a emissão dos gases causadores do efeito estufa. Cidades civilizadas já perceberam isso e atuam no sentido de trazer o profissional para morar mais próximo ao lugar em que desenvolve sua atividade.

Hoje, a participação da cidadania na gestão das cidades é pífia. Aqueles que prestigiam audiências públicas e procuram o Judiciário para conseguir a paralisação de obras que interessam a todos, são sempre os mesmos. Todavia, basta vontade política e conscientização a fim de que tal cenário se altere para melhor. É a esperança que anima os que acreditam que um município - onde tudo acontece - pode ser melhor a cada dia.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 04 12 2022



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