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INFLAÇÃO DE DIREITOS
Acadêmico: José Renato Nalini
Mais importante do que tornar a Constituição do Brasil ainda maior do que já é – é a segunda mais repleta de normas em todo o planeta – é fazê-la respeitada.

Inflação de direitos

O constituinte de 1988 foi pródigo na previsão de direitos fundamentais. Não só alterou topograficamente a posição dos enunciados. Vieram lá dos artigos 153 das Constituições anteriores para o 5º da Cidadã. Evidência de que as declarações de direitos hão de ser levadas a sério.

Não satisfeito com a enunciação dos cinco no caput do artigo 5º – vida, liberdade, igualdade, propriedade e segurança – fez irradiar em setenta e oito incisos as especificações de cada um deles. E os parágrafos escancaram a porta de entrada a novos direitos. Aqueles que derivem de uma interpretação ampliativa, aqueles que resultem de acordos internacionais firmados pelo Brasil. Enfim, consagra-se a produção infinita de novos direitos. O que gera uma noção de que só existem direitos e não mais deveres ou obrigações.

Só que a imaginação criativa não cessa. Agora, a PEC 37/2021, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados propõe a inclusão da “segurança climática” na categoria de direito fundamental. Pondere-se: ela já não resultaria de uma hermenêutica adequada e inteligente? Afinal, existe a menção a “segurança”, sem qualquer qualificativo, no caput do artigo 5º. Segurança pessoal, segurança coletiva, segurança alimentar, segurança física, segurança psicológica, segurança econômica, segurança climática, enfim. E quantas mais pudessem resultar do raciocínio consequente do Poder Judiciário.

Em favor de uma já existente segurança climática, pode-se invocar o disposto no artigo 225 da Constituição Federal. A amplitude desse dispositivo e seu pioneirismo o fizeram ser considerado como o mais belo produzido no século 20, o que se reafirmou em vários dos congressos jurídicos realizados pelo globo.

Persiste, na consciência do legislador brasileiro, aquele fetiche da lei. Aquela crença de que um direito só vai ser observado se incluído no pacto federativo. Uma presunção mais do que relativa. Afinal, vive-se numa República em que há “leis que pegam e leis que não pegam”…

Muito mais importante do que a criação de novos direitos fundamentais, é fazer com que os já existentes sejam observados. Todos eles, indistintamente, ainda são infringidos neste imenso território povoado por mais de duzentos e quinze milhões de seres humanos.

Todavia, em favor dos que consideram importante a inclusão de mais um direito fundamental – o direito fundamental à segurança climática – existe o argumento de que ele não estará somente na redação do artigo 5º da lei maior. Estará também no artigo 170, mediante a inclusão do inciso X, que fixa a “manutenção da segurança climática, com garantia de ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas”. Mais um princípio que se acrescenta à Ordem Econômica e Financeira Nacional.

Também se propõe o acréscimo de mais um inciso, o VIII, ao parágrafo 1º do artigo 225, para estabelecer, de maneira explícita, a obrigação da administração pública “adotar ações de mitigação das mudanças climáticas e adaptação a seus efeitos adversos, com vistas a assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Afirma-se que a inclusão desses dispositivos trará reforço aos pleitos judiciais que contemplem as agressões à natureza. Nada obstante, o alcance do artigo 225 e toda a copiosa normatividade infraconstitucional que ela prestigia, grande parte evidentemente recepcionada pela nova ordem constitucional, não tem garantido o respeito à ecologia.

Assim fora e não se estaria a permitir a destruição de uma quinta parte da floresta amazônica, o extermínio de tantas espécies da flora e da fauna, a invasão de demarcações indígenas em busca do ouro, a ocupação desordenada e incentivada de terras públicas antes disso preservadas.

Mais importante do que tornar a Constituição do Brasil ainda maior do que já é – é a segunda mais repleta de normas em todo o planeta – é fazê-la respeitada. Ela já contém tudo o que é necessário para assegurar aos brasileiros e aos residentes no país um meio ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida de todos.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 14 11 2022



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