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NINGUÉM ME SEPARA DAS MINHAS LEMBRANÇAS
Acadêmico: José Renato Nalini
Somos o produto de epopeias inimagináveis pelos jovens do século 21.

Ninguém me separa das minhas lembranças

O livro de Francisco José Carbonari, educador jundiaiense que tanto orgulha sua cidade, é cativante. Reconstitui a família de Rosa Tonin e Carolino de Almeida, seus avós maternos. Louve-se o empenho em reunir dados e informações, o que não é fácil. Ou melhor, quase impossível. Carolino nasceu em 1871 e Rosa em 1881. A genealogia não era a primeira preocupação de quem precisava lutar para sobreviver e criar as proles. Estas atendiam ao mandamento "crescei e multiplicai-vos". Sequer se ousava mencionar planejamento familiar.

Houve um verdadeiro garimpo, levado a cabo junto a todos os descendentes, cada qual contribuindo com relatos, reminiscências, procurando retratos e a correspondência salva da destruição. O denodo do autor compensou. O livro é uma leitura mais do que interessante. Faz refletir sobre o nosso pouco apreço pela história familiar. Exatamente esta que é a mais importante. A História oficial é a narrativa dos vencedores, que se fixam nas datas e nos vultos grandiosos. A história real é aquela que acontece nos lares, na família, no convívio em torno às atividades exercidas pelos brasileiros durante o século 20. Um registro de emoções e de alegrias, de imprevistos e de tristezas.

Francisco Carbonari experimentou aquilo que o magistrado detecta no exercício do seu mister: a complexidade do testemunho. A reconstituição de episódios se submete a um intrincado labirinto de circunstâncias: a fixação do fato na memória, que depende mais da mente que o apreendeu do que daquilo que se convencionou chamar "verdade". A capacidade de reprodução, o uso de verbetes que fluem de acordo com a perspectiva do observador, o poder da imaginação. A ênfase em alguns detalhes que passam despercebidos por outra pessoa.

A riqueza provém desse conjunto de narrativas encadeadas pelo saudável e emocionante objetivo de legar às novas gerações, ao menos um pouco da origem do clã. Foi-se ao que é possível. Nem sempre nos recordamos de que temos apenas dois pais, - pai e mãe – mas quatro avós, oito bisavós, dezesseis trisavós, trinta e dois tetravós. Como chegar à verdadeira fonte nuclear geradora de toda essa gente?

Essa missão deveria ser enfrentada por todos aqueles que reconhecem o excelso valor da família. Somos o produto de epopeias inimagináveis pelos jovens do século 21. Muitos não têm ideia do que sofreram os imigrantes para obter dignidade e vivenciar a cidadania plena que hoje parece tão natural.

A saga da família de Rosa Tonin e Carolino de Almeida guarda analogia com a de muitos casais que construíram São Paulo e o Brasil. Identifiquei hábitos muito próximos à minha própria família, sobretudo no catolicismo levado a sério e o lenitivo das artes, sobretudo a música. Isso enfatiza o senso de pertencimento a uma era.

Uma satisfação adicional encontrei no livro do Francisco Carbonari: encontrar pessoas com as quais convivi, como o "Arquimedes", o tão simpático, operoso e magnânimo Lázaro de Almeida, um vereador às antigas: prestativo, pronto a servir à população, em tempos tão distantes que parecem não ter existido.

Uma edição caprichada, com citações literárias tão adequadas, com fotos recolhidas aos álbuns de tanta gente, mostra que a obra "Ninguém me separa das minhas lembranças" não se restringe a atrair apenas os descendentes do primeiro casal, mas estimula outros corajosos a tentarem façanha análoga. O sacrifício e o fôlego valeram!

Publicado no Jornal de Jundiaí/Opinião
Em 10 11 2022



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