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A TERNURA DA MADRASTA
Acadêmico: José Renato Nalini
Reflitamos sobre a infância do Imperador Pedro II, que foi o maior estadista brasileiro.

A ternura da madrasta

O injustiçado Imperador Pedro II, (1825-1891) era órfão de mãe, a Imperatriz Leopoldina, quando tornou-se praticamente órfão também de pai. Pedro I abdicou em seu favor em abril de 1831, quando tinha cinco anos. Em 1829, seu pai contraíra novas núpcias com a Imperatriz Amélia, que em dois anos se apegou profundamente ao enteado.

Tanto que, ao partir de volta à Europa após a abdicação, fez questão de redigir adeuses ao “menino imperador adormecido”.

O texto reflete a sensibilidade da jovem que aceitara se casar com o jovem impulsivo, que não fora bom marido e que – todos sabiam – era apaixonado por outra mulher, a Marquesa de Santos.

Poucos brasileiros têm acesso a essa carta, que foi pubicada pela Tipografia da Rua Ogier, rua da Cadeia, nº 142, no mesmo ano de 1831. Vamos a ela:

“Adeus, menino querido, delícias da minha alma, alegria dos meus olhos, filho que meu coração tinha adotado! Adeus para sempre! Adeus!

Ó, quanto és formoso neste teu repouso. Meus olhos chorosos não se podem fartar de te contemplar! A majestade de uma coroa, a debilidade da infância, a inocência dos anjos cingem tua engraçadíssima fronte de um resplendor misterioso, que fascina a mente.

Eis o espetáculo mais tocante que a terra pode oferecer. Quanta grandeza, quanta fraqueza a humanidade encerra representadas por uma criança! Uma coroa e um brinco um trono e um berço!

A púrpura ainda não serve senão para estofo, e aquele que comanda exércitos, e rege um Império, carece de todos os desvelos de uma mãe.

Ah! Querido menino, se eu fosse tua verdadeira mãe, se minhas entranhas te tivessem concebido, nenhum poder valeria para me separar de ti! Nenhuma força te arrancaria dos meus braços. Prostrada aos pés daqueles mesmos que abandonaram meu esposo, eu lhes diria entre lágrimas: não vede mais em mim a Imperatriz; mas uma mãe desesperada. Permiti que eu vigie vosso tesouro. Vós o quereis seguro e bem tratado; e quem o haverá de guardar, e cuidar com maior devoção? Se não posso ficar a título de mãe, eu serei sua criada; ou sua escrava.

Mas tu, anjo de inocência, e de formosura não me pertences senão pelo amor que dediquei a teu augusto pai, um dever sagrado me obriga a acompanhá-lo no seu exílio, através os mares, às terras estranhas! Adeus pois, para sempre! Adeus!

Mães brasileiras! Vós que sois meigas e afagadoras dos vossos filhinhos, a par das rolas dos vossos bosques, e dos beija-flores das campinas floridas, supri minhas vezes; adotai o órfão-coroado, dai-lhe todas um lugar na vossa família e no vosso coração.

Ornai o seu leito com as folhas do arbusto constitucional! Embalsamai-o com as mais ricas flores da vossa eterna primavera! Entrançai o jasmim, a baunilha, a rosa, a angélica, o cinamomo para coroar a mimosa testa, quando o pesado diadema de ouro a tiver machucado.

Alimentai-o com a ambrosia das mais saborosas frutas; a ata, o ananás, a cana melíflua; acalentai-o à suave entoada das vossas maviosas modinhas.

Afugentai longe de seu berço as aves de rapina, a sutil víbora, as cruéis jararacas, e também os vis aduladores, que envenenam o ar que se respira nas Cortes.

Se a maldade, e a traição prepararem ciladas, vós mesmas armai em sua defesa vossos esposos com a espada, o mosquete e a baioneta.

Ensinai à sua voz terna as palavras de misericórdia que consolam o infortúnio, as palavras de patriotismo que exaltam as almas generosas, e de vez em quando sussurrai ao seu ouvido o nome da sua mãe de adoção.

Mães brasileiras, eu vos confio este preciosíssimo penhor da felicidade de vosso país, e de vosso povo; ei-lo tão belo e puro como o primogênito d’Eva, no paraíso. Eu vô-lo entrego; agora sinto minhas lágrimas correr com menos amargura.

Ei-lo adormecido. Brasileiras! Eu vos conjuro que o não acordeis antes que me retire. A boquinha molhada no meu pranto, ri-se à semelhança do botão de rosa ensopado com o orvalho matutino. Ele ri, e o pai e a mãe o abandonam para sempre.

Adeus órfão-imperador, vítima da tua grandeza, antes que a saibas conhecer. Adeus anjo de inocência e de formosura! Adeus! Toma este beijo! E este… e este último! Adeus! Para sempre! Adeus!”

Aprendemos os acontecimentos históricos e nos esquecemos que neles estavam seres humanos com suas angústias, sofrimentos, que houve lágrimas e separações dolorosas. Mas é sempre tempo de injetar emoção ao relato frio de fatos e datas. Reflitamos sobre a infância dessa criança que foi o maior estadista brasileiro e, como tem acontecido, foi alvo da mais abjeta ingratidão por parte de sua gente.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Estadão/Opinião
Em 02 11 2022



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