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MANIA DE DESCUMPRIR
Acadêmico: José Renato Nalini
Atingir um nível civilizatório compatível com os nossos sonhos e aspirações depende de se eliminar essa mania de descumprir

Mania de descumprir

Dentre as características brasileiras, não se tem incluído uma que é crônica: a mania de descumprir. Promessas, compromissos, acordos, convênios, tratados. Tenham a forma e importância que tiverem. Tenham sido assinados por quem seja. São destinados a um completo olvido e desconhecimento.

Quem se dispuser a fazer um levantamento dos tratados firmados pela República Federativa do Brasil se surpreenderá com o número de calotes que integram nossa história. Coisa estranha essa de um povo regido por autoridades que não cumprem os seus deveres. A partir da Constituição, esta cornucópia de infinitos direitos, tão desrespeitados, tão violados. Direitos individuais, direitos sociais, direitos coletivos e difusos. Todos eles se encontram na idêntica situação de flagrante descumprimento.

Não fora assim e o direito de todos à educação estaria assegurado. O direito do nascituro ao ambiente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, não se encontraria na UTI, com o premeditado e inclemente extermínio da floresta amazônica e dos demais biomas.

A dignidade do ser humano, que pressupõe o mínimo existencial, começaria com a alimentação nutritiva. E trinta e três milhões de brasileiros passam fome a cada dia.

Diante desse quadro, é compreensível que os compromissos assumidos na COP-26, a Conferência da ONU em Glasgow, sejam inobservados pelo Brasil. Daqui a pouco, em novembro próximo, será realizada a COP-27 no Egito. Com que cara lavada o Brasil vai chegar lá? Mostrando os índices do desmatamento na Amazônia? Com a aceleração das atividades nefastas de uma delinquência organizada que, prevendo os resultados das eleições de outubro, procura desmatar ainda mais?

Em novembro de 2021, o Brasil prometeu e assinou acordo para zerar o desmatamento ilegal até 2028. Também se comprometeu a reflorestar dezoito milhões de hectares até 2030. Despudoradamente, assinou acordo para reduzir emissões de metano e recuperar trinta milhões de hectares de pastagens. Prometeu cortar pela metade os gases de efeito estufa até 2030, atingir a neutralidade climática, ou seja, chegar a saldo zero entre emissões e absorções de carbono, em 2050.

Simultaneamente, afirmou que teria, já em 2030, de 45 a 50 de suas fontes de energia renováveis. Pelo andar da carruagem, será que isso é factível?

Como é que se tem coragem de assinar, perante a comunidade internacional, uma cessação da derrubada ilegal de árvores da Amazônia até 2028 e constatar que o Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Especiais, constatou que em abril de 2022, pela primeira vez nesse mês, houve destruição de mais de mil quilômetros quadrados na hileia brasileira, o que equivale a mais de cento e quarenta campos de futebol.

Também quanto às emissões, o Brasil registrou 9,5 a mais em relação a 2019, enquanto o mundo esteve no índice de 7. São dados confiáveis, do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SEEG, do Observatório do Clima.

Foi apenas depois da pressão norte-americana que o Brasil concordou em aderir ao Compromisso Global de Metano, com previsão de reduzir emissões desse gás em trinta por cento até 2030, de acordo com os níveis de 2020. Os Estados Unidos sabem, assim como os outros países mais civilizados, que o Brasil não tem por hábito cumprir suas obrigações ou assumir suas responsabilidades. Há um discurso pronto que invoca soberania: “se os outros já destruíram suas matas, agora chegou a nossa hora de exterminar as nossas”.

Uma educação levada a sério se preocuparia menos com transmitir informações desnecessárias ao educando, mas em formar seu caráter. Um caráter voltado à retidão, à probidade, à idoneidade, à verdade. Tudo aquilo que reside nos domínios da ética, a ciência moral do comportamento do homem na sociedade.

Ética, a matéria-prima de que mais se ressente o Brasil. Sua semente está no currículo oculto desenvolvido por essa mestra insubstituível que é a mãe, a matriz de todo o lastro que a criança recebe desde o berço.

São as mães que podem debelar essa nociva e deletéria prática de não cumprir os compromissos, as promessas, as obrigações, nem de responder pelas responsabilidades e pelos deveres.

Atingir um nível civilizatório compatível com os nossos sonhos e aspirações depende de se eliminar essa mania de descumprir, doença que atacou e contaminou a quase totalidade da vida pública tupiniquim.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 24 07 2022



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