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EM QUE CONSISTE O ESTADO ECOLÓGICO?
Acadêmico: José Renato Nalini
Para se falar em Estado Ecológico e Social de Direito, há de se contemplar uma principiologia incidente, que não pode ser desconsiderada.

Em que consiste o Estado Ecológico?

Continuo a reproduzir a expressiva fala do Professor Ingo Sarlet, quando proferiu conferência para os alunos da USP que cursam Direito Financeiro & Direito Ambiental, iniciativa do Professor José Maurício Conti.

Para se falar em Estado Ecológico e Social de Direito, há de se contemplar uma principiologia incidente, que não pode ser desconsiderada.

Assim, prevenção e precaução não são princípios exclusivamente ambientais ou relativos à saúde. Há também um destaque crescente ao princípio-dever da cooperação. O nosso Estado é cooperativo, prenhe de normas que demonstram isso. Está no artigo 4º, prevalência dos direitos humanos, integração, etc., mas impõe-se uma ampliação conceitual. Cooperação plena e em diversos níveis: no plano externo, no plano interno e no terreno das relações entre Poder Público e sociedade civil organizada, a cidadania, e no federalismo cooperativo.

A pandemia intensificou essa tendência. As opções locais ou estaduais, quando mais protetivas do ambiente, foram prestigiadas pelo STF. O dever de cooperação ganha mais espaço graças à crescente transnacionalidade da questão ambiental e a urgência de sua proteção efetiva. O ambiente não se cinge a fronteiras. Tudo é transfronteiriço. A palavra-chave é mudança climática. As soluções têm de ser transnacionais.

O ciberespaço é outro exemplo de aposta em estruturas cooperativas. Outro princípio controverso é o da proibição de retrocesso. Aqui, desafortunadamente para o Brasil, está se tornando mais emergente, mais premente nos últimos tempos. Há uma tendência de crescente invocação a esse princípio. A celeuma em relação ao Código florestal mostra isso.

Na verdade, as coisas se agravaram muito em diversos níveis. Orçamento secreto, não destinação dos recursos existentes, enxugamento das estruturas, esvaziamento da fiscalização, importação de agrotóxicos proibidos em outros países, etc. Os exemplos se intensificam e Cármen Lúcia já acabou referindo o processo de cupinização do ambiente e um estado de coisas inconstitucional. Recorde de desmatamento, não só não estancamos a tragédia, mas continuamos a bater recordes. Isso aciona a invocação dos princípios.

O problema é que a proibição de retrocesso não é algo óbvio. Ela existe, mas tem um peso grande na questão dos direitos sociais. Nasceu nesse espaço. A proibição de regressividade surge associada ao Estado social. Mas começa a migrar, cada vez mais, para a esfera ecológico-ambiental. Inclusive pela acolhida do direito ambiental no capítulo dos direitos fundamentais sociais.

Existe contraponto: autores importantes, inclusive em Portugal e na Alemanha, sustentam que o princípio da vedação de retrocesso não existe. Jorge Novais considera equivocado recorrer a ele. Usá-lo demais poderia enfraquecer os direitos sociais.

Canotilho não abre mão da vedação de retrocesso, mas fala sobre os abusos na sua utilização. Quando aplicado sem critérios, sob forma genérica, leva à blindagem de privilégios. Também dá margem a decisionismo, fazendo com que os pobres fiquem cada vez mais pobres e os ricos mais ricos.

Vedação de retrocesso não significa vedação de restrição. É muito mais um rótulo, a ser utilizado com prudência. Sua aplicação concreta precisa de critérios. Há legitimidade constitucional para restrições. Exemplo: a reserva legal, as leis medidas, de efeito concreto. Proibição de retroatividade é o instrumento clássico para combater retrocessos.

A proporcionalidade também incide sobre o direito ambiental. Proibição de proteção insuficiente e proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. É o que está de fato blindado a uma restrição.

Outro princípio estruturante é bem festejado: o mínimo existencial ecológico. Mínimo existencial social, tem dimensões controversas. Há quem diga que “mínimo” não é adequado. Deve-se falar em conteúdo existencial, essencial, mas não o mínimo. O núcleo essencial pode ser necessariamente maior do que o mínimo. Depende de cada direito e do impacto de cada medida restritiva a esse direito.

Núcleo essencial é a esfera, a situação fática protegida normativamente, que está em definitivo subtraída à disposição dos poderes constituídos. No direito ambiental, o mínimo existencial ecológico foi consagrado. No direito internacional fala-se em “mínimo vital”, às vezes sinônimo de mínimo existencial, outra vez restrito aos direitos asseguradores da vida. Nem sempre se incorpora o mínimo cultural e social. No ambiental, há uma visão ampliada. Quais os critérios para se identificar se houve violação do mínimo existencial ecológico? Questão de alta indagação, a reclamar colaboração dos doutos.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 29 05 2022



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