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CRÔNICA SOCIAL DO IMPÉRIO
Acadêmico: José Renato Nalini
Há muito para se ler nas “Cartas a Suas Majestades”, editada pelo Ministério da Justiça em 1977. Uma crônica social imperial sem pruridos e sem censura…

Crônica social do Império


A deliciosa leitura das cartas que a Condessa de Barral escreveu ao casal imperial brasileiro entre 1859 e 1890 propicia a descoberta do que ocorria na Corte durante o longo reinado de Pedro II. O Imperador estadista, literato, amigo da cultura e da educação, respeitado em todo o mundo, interessava-se por tudo aquilo que ocorria no Brasil. Gostava de receber notícias, principalmente quando viajava, ausentando-se do Rio de Janeiro.

Entre 1859 e 1860, os Imperadores viajaram às províncias da Costa Leste e Nordeste do Brasil. Foram do Espírito Santo à Paraíba. A Condessa procurou informar a Imperatriz Teresa Cristina, em caráter sigiloso, do que encontraria na sociedade baiana – que ela conhecia bem, pois nascera em Salvador – e também na alta roda pernambucana, que ela tratou de averiguar servindo-se de fontes confiáveis.

Ela relacionou todos os fidalgos cavaleiros e guarda-roupas honorários, os moços fidalgos em exercício, detendo-se a respeito da aristocracia da Bahia. Aqui, como as informações eram sigilosas, não hesitou em afirmar que a Família Bulcão era composta do Barão de São Francisco, “pai de uma numerosa família, toda ela de gente limpa e honrada”. Obsequiava seus amigos íntimos, por exemplo o padrinho de seu único filho, Dominique, chamando-o de “um perfeito cavalheiro”. “Sua mulher, D. Emília, e sua filha Augusta, são pessoas que merecem particular atenção de Vossa Majestade”.

Sobre os “Munizes”, a começar por Salvador Muniz, Barão de Paraguaçu, asseverava: “homem excelente, proprietário rico, caráter sem mancha. Sua mulher, D.Teresa, é uma senhora completa, boa, generosa, etc”. A respeito de Egas Muniz, dizia: “extravagante, querendo passar por conquistador, porém, salvo esse travers, moço estimável e muito cavalheiro”.

Mas não eram todos os baianos que mereciam seus elogios e recomendações. A respeito da Família Bandeira, por exemplo, é bastante cáustica: “D. Ana Bandeira, dizem coisas dela com o cunhado Visconde dos Fiais, homem imoral com fingimentos de Santo”. Este era o Conselheiro Luís Paulo de Araújo Basto, 1º Barão de Visconde dos Fiais.

Excedia-se em detalhes que talvez pudessem interessar à Imperatriz, que passaria boa temporada nessas províncias, e teria oportunidade de conviver com muita gente. Assim, descreve Antônio Muniz Ferrão, “casado com a viúva de um célebre mulato, José Lino Coutinho, médico formado em Coimbra, de nome Maria Adelaide Sodré, “ex-beleza que usa de óculos azuis, tem dezesseis filhos”.

Sobre a mulatice, de acordo com José Bonifácio de Andrada e Silva, poderia atingir a própria Condessa de Barral, pois a seu pai, Barão e Visconde de Pedra Branca, maliciosamente chamava “Pedra Parda”.

Atribui ao Barão da Cajaíba, o marechal-de-campo Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, veterano da Guerra da Independência, por muito tempo vice-presidente da Província da Bahia, haver “assassinado a mulher e muitas outras pessoas”. Para Barral, era um homem mau, “não quero graças com ele. Tem um belo engenho defronte da Vila de São Francisco”.

Já o Imperador Pedro II, em seu “Diário de Viagem”, escreve sobre o Barão da Cajaíba: “tem um belo porte militar, mas é capaz de fazer um milhão de cumprimentos, durante poucas horas. Perfeito militar, montando muito bem a cavalo. Vaidoso de seus serviços, aliás verdadeiros”.

A Condessa não poupava crítica aos costumes baianos: “Leopoldina Sá Barreto, cunhada do Barão de Cajaíba, tem péssimo comportamento e escandaloso, com a única causa atenuante de ser casada com um marido doido que anda nu em casa, que não se lava e que vive como um animal. Desse desgraçado casamento teve duas filhas cretinas, que não falam, etc. É uma infeliz”.

O Barão de Pirajá era filho do Santinho Pires, que se degolou. Mas não tem o vício comum a todos os Pires que é de se embriagarem. Já a Baronesa de São Francisco tanto tem de capaz como sua mãe de desprezível. É uma célebre D. Mariana, que teve filhos do Sodré, do Pita Lima, etc. etc. Por sinal que Luiza Pires, senhora do Engenho Pantaleão, tem a mesma conduta de D. Mariana e Brasília Nabuco, que foi muito bonita, filha do Desembargador Junqueira, é a mesma coisa que as duas outras. Maria da Glória Espinheiro, viúva rica também de má conduta. Maria Venceslau de Almeida, muito dengosa, é casada com um maluco que ainda espera a vinda de D. Sebastião.

Ninguém escapava da virulência da Condessa: em relação ao clero, “não há senão o Senhor Arcebispo, D. Romualdo Antonio de Seixas, primaz do Brasil, Conde e depois Marquês de Santa Cruz, que é muito ilustrado e muito digno e o Cônego Miguel Ferreira, que é muito virtuoso. “Tudo mais não presta para nada”. Expressão idêntica à utilizada para referir os desembargadores baianos: Manuel Messias de Leão, digno de todo o agasalho do Imperador, por ser magistrado exemplar e o desembargador Libânio, homem muito honrado, que faz exceção na Relação da Bahia. “Tudo mais não presta para nada”.

Há muito mais coisa para se ler nas “Cartas a Suas Majestades”, editada pelo Ministério da Justiça em 1977. Uma crônica social imperial sem pruridos e sem censura…

Publicado no Blog do Fausto Macedo



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