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A SÉVIGNÉ DOS TRÓPICOS
Acadêmico: José Renato Nalini
Luisa Margarida Portugal de Barros, "a Sévigné dos Trópicos”.

A Sévigné dos trópicos

Os idosos têm saudades das cartas. Lembram-se delas? Eram manuscritas em papel, colocadas em envelopes, seladas e enviadas por correio. A internet acabou com elas. Será que as mensagens por e-mails e whatsApps sobreviverão aos anos?

A epistolografia é uma espécie de literatura muito interessante. É um elemento que permite a reconstituição histórica, mas também é uma crônica de costumes e, mais do que isso, retrata momentos sensíveis de pessoas que se dispuseram a exprimi-los por escrito.

A mais célebre missivista francesa foi Maria de Rabutin-Chantal, Marquesa de Sévigné, (1626-1696) cujas cartas, a maior parte dirigidas à sua filha e escritas no Castelo dos Rochers-Sévigné, constituem o padrão mais elegante do gênero epistolar. Pois o Brasil teve uma prolífica missivista, comparada à nobre de França, tanto que seus amigos a chamavam “A Sévigné dos Trópicos”.

Era uma baiana, Luisa Margarida Portugal de Barros, nascida em Salvador a 13.04.1816, filha de Maria do Carmo Portugal de Barros e Domingos Borges de Barros, eminente diplomata e poeta, o Visconde da Pedra Branca. Por força da diplomacia, viajou muito com os pais e recebeu educação esmerada, falando vários idiomas. O francês era sua forma natural de se exprimir. Casou-se em Boulogne-Sur-Mer, com o Cavaleiro Eugênio de Barral, Visconde e posteriormente Conde de Barral e Marquês de Montferrat. Por isso, ela é conhecida no Brasil como Condessa de Barral.

Dama de honra da irmã do Imperador Pedro II, Francisca de Bragança, que se casara com o Príncipe de Joinville, filho de Luís Felipe de Orleans, Rei da França, sua fama de erudição e elegância atraiu o casal imperial brasileiro. Em 1856, é convidada a ser preceptora das princesas Isabel e Leopoldina. Passou a conviver com a Imperatriz Tereza Cristina e com Pedro II, tornando-se figura imprescindível na Corte.

Quem se dispuser a ler as “Cartas a suas Majestades-1859-1890”, que a Condessa de Barral escreveu ao casal imperial, encontrará um tesouro de rara qualidade. No momento em que o Brasil se propõe a celebrar o bicentenário da Independência, é conveniente recordar a participação de figuras que não estão sob o holofote dos historiadores, mas que tiveram importância fundamental na vida brasileira.

A Condessa de Barral foi personagem central no Segundo Império. Costuma-se dizer que seu relacionamento com o Imperador ultrapassou a amizade. Pode ser. A Imperatriz era uma alma generosa, mas estava distante do padrão estético vigente. Embora bem-criada, filha de Francisco I, Rei das Duas Sicílias, não era exuberante como a Barral. Esta era intelectualmente cosmopolita, adquirira a sofisticação da Corte francesa e da alta sociedade europeia.

As cartas da Condessa tratavam de tudo. Ela reportava tudo o que acontecia com as pessoas que interessavam ao casal e também o passo-a-passo da aprimorada formação das duas princesas. Eram as remanescentes da família, pois os dois filhos varões morreram na primeira infância.

Foi a fidelíssima confidente de Pedro II e o acompanhou em inúmeras viagens. Era onipresente em relação às suas pupilas. Em 8.8.1881, escreveu à Imperatriz para contar que o Conde d’Eu a acordara de madrugada, para dizer que se rompera a bolsa da Princesa Isabel. Acompanhou o parto e, depois de vinte e quatro horas, o parteiro, Mr. Dépaul disse que era preciso usar do “grande meio”, o fórceps. Nascia pouco depois o caçula do casal, Antonio. Isabel já dera à luz a dois outros garotos: Pedro e Luís. A primeira filha, Luísa Vitória, fora natimorta.

Narra a Condessa que “a Princesa está otimamente e os pequenos encantados com a chegada de mais um irmãozinho”. Junto com a notícia do nascimento, Barral tomou as medidas do recém-nascido, o sétimo e último neto homem dos Imperadores: 51 centímetros de comprimento, 28 de alto até o umbigo, 23 do umbigo até à planta dos pés, 12 centímetros de diâmetro da cabeça (ocípito frontal), 14 ociptomentoniano, 10 bi-parietal, 10 sob o ocipitobregmático, 13 tórax bi-acromal e 6 centímetros de externo dorsal. Mas o recém-nascido ainda não fora pesado.

Esse filho da “Redentora”, neto de Pedro II, foi batizado como Antônio Gastão de Orléans e Bragança e morreu em 29.11.1918, aos trinta e sete anos, depois de lutar na II Grande Guerra no Exército Britânico. A França, que era a Pátria de seu pai – o Conde d’Eu renunciara ao trono francês para se casar com Isabel – não o aceitou quando do alistamento. Já era uma República e hostilizava os remanescentes da monarquia.

Mas isso a Condessa não chegou a escrever. Morreu em 13 de janeiro de 1891. Suas cartas merecem leitura atenta. São mais eloquentes do que muito livro sobre a História do Brasil.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 22/05/2022



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