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O FUTURO DA DEMOCRACIA
Acadêmico: José Renato Nalini
O compromisso de quem tem uma consciência sensível é contribuir para tornar o futuro diferente e melhor do que o passado.

O futuro da democracia

Uma democracia agonizante, em todo o planeta, só poderia chegar ainda mais ameaçada num país de iletrados. Já não choca mais ninguém saber que no Brasil pouco se lê. Uma educação “decoreba” afugenta leitores. As bibliotecas estão em extinção, assim como as livrarias. Os que escrevem, se quiserem livro físico, devem pagar pela impressão ou se utilizar do sistema “on demand”. São impressos os livros que vierem a ser comprados. Um a um.

Com vinte milhões de brasileiros passando fome diariamente, cento e vinte milhões com insegurança alimentar, quinze milhões de desempregados, incalculáveis milhões sem moradia, sem saneamento básico, sem saúde e sem perspectiva, o pleito por democracia não é a primeira preocupação do comum dos mortais.

Mas deveria ser. Sem democracia – e democracia participativa – o povo continuará excluído das opções que o afetarão. E o farão continuar tutelado por um Estado exauriente: impõe a mais pesada carga tributária do mundo e uma devolução em serviços deficientes, dispendiosos e quase sempre impregnados de uma dúvida sobre idoneidade e desvio ético.

Quem se dedica à filosofia, saberá que a influência conjunta de Hegel e Darwin fez com que a indagação: “O que nós somos?” adquirisse a versão “O que podemos procurar nos tornar?”.

O compromisso de quem tem uma consciência sensível é contribuir para tornar o futuro diferente e melhor do que o passado. Com isso, como bem observou Richard Rorty, “temos que mudar do tipo de papel social que os filósofos compartilhavam com os sacerdotes e os sábios, para um papel social que tem mais em comum com o papel dos engenheiros ou dos advogados. Enquanto os sacerdotes e os sábios podem estabelecer suas próprias listas de prioridades, os filósofos contemporâneos, a exemplo dos engenheiros e dos advogados, devem descobrir de que é que seus clientes precisam”.

A filosofia continua cada vez mais necessária nestes tempos sombrios. Ela só deixaria de ser essencial numa improvável sociedade sem política. Uma sociedade governada por tiranos que abominam qualquer mudança social e política. Não é ficção, nem miragem. Numa sociedade assim, ou com intenção de assim se tornar, o filósofo passa a ser um sacerdote a serviço de uma religião de Estado. Ainda recorrendo a Rorty, “em sociedades livres, sempre haverá necessidade dos serviços dos filósofos, uma vez que sociedades assim nunca param de mudar, e, consequentemente, nunca param de tornar obsoletos os velhos vocabulários”.

Os filósofos, numa sociedade sem tiranias, têm a missão de tecer uma trama envolvente entre crenças velhas e novas, de forma tal que umas possam colaborar com as outras. Assim como o engenheiro e o advogado, o filósofo é útil para resolver problemas particulares que surgem nas situações particulares – as situações nas quais a linguagem do passado está em conflito com as necessidades do futuro.

É a filosofia, portanto, que deve modelar a educação do amanhã, que, no Brasil, está na pré-história do que deva ser uma escola de qualidade. Uma escola que seja incubadora da democracia. Como treinar o educando para uma atuação efetiva na condução da coisa pública, se ele, dentro da sala de aula, é adestrado para decorar informações, nem sempre atuais e úteis?

Se ele não tem voz para coisas triviais, necessárias ao bom andamento da rotina escolar, como é que adquirirá proficiência para influenciar a condução da coisa pública, quase sempre subjugada ao interesse exclusivo do político profissional?

Sem o filósofo de plantão, submisso à vontade do chefe e impulsionador do fanatismo, é preciso que todos os outros – e falo em filósofos, aqui, no sentido original de “amigos da sabedoria” – precisam pensar em uma democracia conquistada. Mostrar que ela é a resposta para todas as carências populares e para um futuro decente para as novas gerações. Não se acredite na promessa tirânica de imposição da democracia mediante a força, em lugar da persuasão. É surreal pretender obrigar os humanos a serem livres. Mas não é absurdo pensar em persuadi-los a serem livres.

Por isso, concordo com Rorty sobre colocar a ênfase sobre a honestidade, tirando o foco que sempre recaiu sobre a busca da verdade. Pois “a verdade é eterna e duradoura, mas é difícil ter certeza de quando ela foi alcançada. A honestidade, assim como a liberdade, é temporal, contingente e frágil. Mas nós podemos reconhecer quando alcançamos tanto a honestidade quanto a liberdade. E, de fato, a liberdade que mais prezamos é a liberdade de sermos honestos uns com os outros sem sermos punidos por isso”. O mundo precisa de ambas. É fácil detectar essa carência.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 03 04 2022



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