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TÃO PERTO, TÃO LONGE
Acadêmico: José Renato Nalini
É preciso recuperar o amor pela nossa tradição. Já fomos melhores

Tão perto, tão longe

Este emblemático ano de 2022 passará até mais rápido do que os demais. Há muito a celebrar. Embora tenha sido em fevereiro, a Semana de Arte Moderna de 1922 continuará a ser lembrada. Fico pasmo com a aparente falta de curiosidade das escolas em patrocinar viagens de seus alunos para ver de perto algo que sobrou desse movimento que mudou o Brasil.

Estamos a poucos minutos da capital. Chega-se lá por trem, ônibus ou carro. E ali estão os testemunhos ainda palpáveis daquilo que alguns jovens, quase todos na casa dos vinte anos, fizeram para mostrar que o Brasil queria uma cultura própria, não colonial e dependente dos padrões europeus.

Um roteiro brevíssimo incluiria o Teatro Municipal, construído em 1911 por Ramos de Azevedo (que foi quem reformou a Catedral de Nossa Senhora do Desterro), palco onde aconteceram as noites históricas patrocinadas por Paulo Prado e protagonizadas pelo trio Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia, além de Villa-Lobos, Brecheret, Anita Malfati, Plínio Salgado, Sérgio Milliet, Guilherme e Tácito de Almeida, mais Di Cavalcanti e o carioca Graça Aranha, o "velho" do grupo.

Também vale a pena visitar a casa de Mário de Andrade, que conserva algo de original, como o quarto em que ele escrevia. Assim como a Biblioteca Municipal, que hoje leva o nome do autor de "Macunaíma" e cuja "Pauliceia Desvairada" foi a mais perfeita tradução do que era São Paulo na década de vinte do século passado. E a casa de Guilherme de Almeida, no Pacaembu, com obras de Lasar Segall, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti. Curiosa a mansarda, uma espécie de sótão, onde Guilherme se recolhia para escrever.

Na rua Santa Cruz, 325, Vila Mariana - dá para ir de metrô - está o Parque Casa Modernista, construída pelo arquiteto Gregori Warchavchik, em 1927. É marco da arquitetura moderna brasileira e seus jardins foram concebidos por Mina Klabin, esposa de Gregori. Algo que depois Roberto Burle Marx iria legar para todo o planeta.

Quase não restam construções do arquiteto Flávio de Carvalho, que esteve muitas vezes em Jundiaí, hóspede de Dulce e Victor Simonsen, na incrível Fazenda Campo Verde. Mas na alameda Lorena, 1257, está um exemplo de sua criatividade, algo extraído da antropofagia de Oswald de Andrade.

O edifício Esther é um dos primeiros arranha-céus de São Paulo. É de 1930 e em seu topo está o restaurante Esther Rooftop, rua Basílio da Gama, 28. Contíguo, o famoso Copan, projetado por Oscar Niemeyer, com suas curvas e a sedutora galeria, onde está o "Bar da Dona Onça" de Janaína Rueda. Bem perto, na Avenida São João, 439, está a Galeria do Rock, símbolo da modernização paulistana.

Há muitos exemplos de excelente arquitetura paulistana, herança da Semana de Arte Moderna de 22. Paulo Mendes da Rocha fez a adaptação da Pinacoteca, na Avenida Tiradentes, onde também está o Museu de Arte Sacra e, bem próximo, o Liceu de Artes e Ofícios, peça integrante da modernização paulista. Villanova Artigas construiu o prédio da FAU - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a Garagem de Barcos, construída entre 1961 e 1969 na Avenida Atlântica, 4900, em Interlagos. Ariosto Mila, o jundiaiense que foi Diretor da FAU, construiu uma casa modernista no Ibirapuera. Tomara não tenha sido destruída, como tantos outros marcos importantes, hoje desaparecidos.

Quem for de trem à capital vai se deslumbrar com a Estação da Luz, construída pelos ingleses no tempo em que o Brasil queria civilizar-se, vontade que foi perdendo aos poucos. Ao lado, o Museu da Língua Portuguesa, recuperado após o incêndio, metáfora da destruição da cultura que nos assolou recentemente. E bem perto, a Sala São Paulo, outro projeto retrofit que mostra o quão possível é manter o passado com um toque de modernização contemporânea.

Mas o mais importante, para quem quiser se abeberar do espírito do modernismo cujo grito da independência foi fevereiro de 1922, é a releitura de Menotti, com seu "Juca Mulato", de Guilherme de Almeida, de Mário de Andrade, de Oswald de Andrade e de tantos outros.

É preciso recuperar o amor pela nossa tradição. Já fomos melhores. Por isso acalentamos a esperança de voltarmos a sê-lo.

Publicado no Jornal de Jundiaí
Em 03 03 2022



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