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A HISTÓRIA SE REPETE
Acadêmico: José Renato Nalini
Qual o estado do país sob o ponto de vista político-social?

A história se repete

Quem acredita na evolução da humanidade, na gradual ascensão de cada círculo na espiral interminável que traduz nossa história, talvez não consiga explicar o que acontece com o Brasil.

O que dizer diante desta constatação: “É a hora dos grandes desenganos, dos profundos abatimentos. O Brasil é um país de descontentes. É a definição que mais lhe pode quadrar. De alto a baixo, desde o Presidente da República até ao mais obscuro e desprotegido da sorte, passando por ministros, senadores, magistrados, banqueiros, magnatas de todos os feitios, é o descontentamento que lavra. Mas há os descontentes vítimas e existem os descontentes, não direi algozes, porém autores.

Aqueles são o povo que geme angustiado porque só conhece do novo regime o sequestro da liberdade, o menosprezo de seus direitos, as dificuldades da vida, o exagero dos impostos e quase as agonias da fome, que lhe vai entrando em casa, amarrada e presa à carestia dos alimentos. Os outros, os autores, são os intitulados chefes, que se desconsolarem de sua própria obra, porque não a souberam fazer, e o não souberam, porque não tinham competência na ideia, nem largueza de ânimo no coração para a elevarem forte e justa, acertada e digna, a ser amada pelo povo. E este vinga-se de tantos desacertos com a indiferença sistemática, a abstenção calculada. Vede as eleições. É a desestima da nação pelo modo por que a tratam os seus ditadores, e esse divórcio crescente entre o povo e a classe que se apossou do governo deixou criar entre nós um grupo de politicians que assestou baterias nas cumiadas do poder e de lá impõe silêncio às consciências. Mas essa acrobacia política firma-se em um equilíbrio instável; há de vacilar e cair, porque lhe falta a base segura da opinião nacional.

O povo brasileiro tem feito contra essa política apenas a guerra do tédio, e o assédio do abandono, a revolução do desprezo.

Qual o estado do país sob o ponto de vista político-social?

É só olhar para o povo e para o governo, tomando-lhes os sinais mais característicos. Vamos ver. A população nacional, considerada em seu conjunto, de norte a sul, do mar aos sertões, atravessa a pior das crises, e para a qual não contribuiu em um milésimo, porque foi o primeiro presente que o desaso do poder lhe fez, a tremenda crise econômica, solapadora de todos os recursos dos pobres, tornando-lhe desesperada, amaldiçoada a vida.

Este sintoma que a sabença governamental nem sequer pode ainda definir e estudar em suas causas, não tem sido, por forma alguma, aliviado em mais de dois anos de desatinos financeiros. E é mister haver perdido todos os estímulos do bom senso para lhe desconhecer a gravidade.

Em um país, onde a vida em geral não tem o menor incentivo para o belo e para o grande, porque a sua cultura espiritual é quase nula e os encantos da vida social, os prazeres da civilização não existem; em um país onde o molde constante do viver é ainda rudimentar, e onde a pobreza é a regra generalizada, ao povo paciente e já tão maltratado vieram tornar ainda mais pesada a carga da própria existência material.

O povo está atacado nas fontes diretas de seu inglório viver. Para falar a linguagem positiva dos fatos: não tem recursos para comprar o alimento diário, a péssima carne, o amaríssimo pão que o sustenta. Situação que seria aflitíssima para qualquer governo que soubesse que não é por luxo que os povos pagam governos; situação sorridente para esse serzedelismo pachola, que é hoje o governo do Brasil.

Na vida moral e política as liberdades, as chamadas liberdades necessárias estão aniquiladas. A liberdade de imprensa tomou o aspecto de irresoluta timidez, diante das ameaças que lhe surgem, ou sob a forma de arruaças, ou sob o aspecto de contestações ministeriais, ásperas no tom, provocadoras nas reticências, insólitas nos epítetos. A liberdade de reunião só é praticamente realizável a apaniguados do governo; fora deles, é um perigo tentar pô-la em execução.

Mas esse povo abatido, humilhado, por mais enjoo que tenha aos seus ditadores, não pode de todo esquivar-se às relações com a administração pública. Qual o caráter predominante agora nessas relações? O desgosto, o constrangimento, porque ineptamente perturbaram todos os serviços nacionais. Invertendo o axioma de que a natureza e a política não fazem saltos, os recentes governos brasileiros desmantelaram o antigo edifício jurídico-administrativo.

Embaraços em tudo, embaraços por toda a parte, dir-se-ia que a administração brasileira é a sistematização da delonga e da chicana…”.

O texto continua: é de Silvio Romero, na verdade Silvio Vasconcelos da Silveira Ramos Romero (1851-1914), jornalista, advogado e filósofo. Foi publicado em 7.2.1893. Alguma coincidência com o Brasil de 2022?


Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 31 01 2022



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