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A REFORMA TRABALHISTA E AS ELEIÇÕES
Acadêmico: José de Souza Martins
A reforma trabalhista de 2017 ocorreu num momento politicamente impróprio para assegurar a legitimidade das mudanças que foram feitas, porque de governo residual de uma antecessora impedida. Foram notórias as pressões para que se aproveitasse a brecha e se viabilizasse mudanças na legislação do trabalho que atenuassem a força reivindicativa da classe trabalhadora.

Em artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, o ex-presidente Michael Temer questiona a inclusão do tema de sua reforma trabalhista, de 2017, na pauta da campanha eleitoral de 2022. Inútil, porque esse será um tema obrigatório das oposições, o que forçará a direita a se explicar e a defender o talvez indefensável. O endereço da crítica é Lula e os partidos sociais.

Lula é um reconhecido especialista no tema da negociação nas relações de trabalho. Ele nasceu como nova liderança dos trabalhadores dos setores mais modernos de nossa indústria, críticos do peleguismo herdado do Estado Novo, desafiados pela visão que do problema tinha o capitalismo multinacionalizado dos anos 1970.

Tornou-se expressão do novo sindicalismo, liberto da tutela do Ministério do Trabalho. Lula conseguiu desenvolver uma estratégia de reivindicações laborais junto às empresas, que o preferiam à interferência do governo na definição de salários porque ele sabia o que era o trabalho e o valorizava. Sua estratégia foi também agregadora dos trabalhadores dos setores residuais da produção, com menos força negocial. Se alguém atuou para a modernização política das relações de trabalho no Brasil, foi Lula.

A reforma trabalhista de 2017 ocorreu num momento politicamente impróprio para assegurar a legitimidade das mudanças que foram feitas, porque de governo residual de uma antecessora impedida. Foram notórias as pressões para que se aproveitasse a brecha e se viabilizasse mudanças na legislação do trabalho que atenuassem a força reivindicativa da classe trabalhadora.

Lula não se propõe a revogar a reforma, como se depreende de tudo que tem sido publicado a respeito. Ele se propõe a revê-la, o que é muito diferente.

O artigo que analiso tem vários pontos vulneráveis ao contraponto de uma análise sociológica. Um deles é este: “Anote-se que, promulgada a reforma, não houve nenhuma greve de trabalhadores. Ao contrário, houve entendimento.” Na verdade, entre 2011 e 2020, segundo o DIEESE, houve aumento do número de greves, porém em função de circunstâncias muito variáveis, de modo algum relacionadas com descabida liberalidade nos direitos trabalhistas.

Em 2017, houve 746 greves na esfera privada. As causas foram 55,5 por descumprimento dos direitos trabalhistas e 43,6 por atraso no pagamento de salários. Em 2020, o número de greves caiu para 417 na esfera privada. Uma queda que expressa os efeitos econômicos da pandemia no aumento do desemprego e na atual fragilidade política da classe trabalhadora.

Nesse ano, 40,2 das greves decorreram de atraso no pagamento de salários. Em 2011, essa fora a causa de 24,7 das greves. Aumentou no decênio o número de greves motivadas pela conduta de patrões, minoritários, que colhem frutos do trabalho alheio mas não o pagam.

Classe fragilizada porque, com a reestruturação produtiva, o trabalho foi substituído por tecnologia, o processo de trabalho foi fragmentado. Desmembrado, o trabalhador deixou de ser uma pessoa do trabalho para se tornar uma pessoa na expectativa de trabalho, à espera do desemprego que o ameaça.

Ele já não personifica o trabalho nem mesmo quando está ocupado. Com a mera ocupação no lugar do verdadeiro trabalho, disseminou-se a pré-ocupação, como diz Agnes Heller, a ocupação precária como inquietação. O trabalho do trabalhador à procura de trabalho mesmo quando ocupado, reduzido àquilo que já não é.

A reforma trabalhista de 2017 confirmou que o trabalhador modernizado e barateado já não é um ser de certezas. Tornou-se pobre de uma nova pobreza porque pobre de esperança.

Temer se refere à criação de novos empregos em decorrência da reforma trabalhista. Porém, quais empregos? A reforma trabalhista não viabiliza necessariamente o reemprego do trabalhador desempregado pela modernização da produção. O trabalho é um tema social e só redutivamente é um tema econômico.

Todo esse sistema de mudanças tem criado o trabalhador descartável, cujo lugar no capitalismo tende a ser precário e adjetivo. O privilegiamento explicativo das questões sociais pela economia pressupõe, equivocadamente, que os desempregados se reciclam profissionalmente, induzidos pelo crescimento econômico. Mas, não raro a mudança degrada a força de trabalho e desvaloriza o trabalhador.

O autor louva a modernização durante seu governo. Mas é preciso entender que a modernização econômica, em todas as partes, tem desdobramentos sociais geralmente desastrosos na vida dos que são por ela alcançados. Essa concepção de modernização é ideológica. Limita-se às vantagens econômicas dos que dela se beneficiam, mas não visualiza nem explica suas decorrências anômicas e os problemas sociais que cria.



Publicado em Eu& Fim de Semana, jornal Valor Econômico, Ano 22, nº 1.101, São Paulo, 21 de janeiro de 2022, p. 4.



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