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SCHOPENHAUER E A ARTE DE ESCREVER
Acadêmico: José Renato Nalini
Arthur Schopenhauer, filósofo considerado misógino e pessimista, legou à posteridade, entre tantas outras obras, o livro “A arte de escrever”.

Schopenhauer e a arte de escrever


Arthur Schopenhauer, filósofo considerado misógino e pessimista, legou à posteridade, entre tantas outras obras, o livro “A arte de escrever”. Inicia com parágrafo bem apropriado aos nossos tempos: “Antes de tudo, há dois tipos de escritores: aqueles que escrevem em função do assunto e os que escrevem por escrever. Os primeiros tiveram pensamentos ou fizeram experiências, que lhes parecem dignos de ser comunicados; os outros precisam de dinheiro e por isso escrevem, só por dinheiro. É por isso que sua escrita não tem precisão nem clareza. Desse modo, pode-se notar logo que eles escrevem para encher o papel. Assim que alguém percebe isso, deve jogar fora o livro, pois o tempo é precioso”.

Hoje há muitos livros publicados. O difícil, diz Lygia Fagundes Telles, é encontrar leitores! Escritores existem e em profusão. Mas Shopenhauer vai ao ponto: “Também se pode dizer que há três tipos de autores em primeiro lugar, aqueles que escrevem sem pensar. Escrevem diretamente a partir de livros alheios. Essa classe é a mais numerosa. Em segundo lugar, há os que pensam enquanto escrevem. Em terceiro lugar, há os que pensaram antes de se por a escrever. Escrevem apenas porque pensaram. São raros!”.

É interessante acompanhar o raciocínio do filósofo, para quem o hábito de ler não equivale a pensar: “Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: apenas repetimos seu processo mental, do mesmo modo que um estudante, ao aprender a escrever, refaz com a pena os traços que seu professor fizera a lápis. Quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. É por isso que sétimos um alívio ao passarmos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura. No entanto, a nossa cabeça é, durante a leitura, apenas uma arena de pensamentos alheios. Quando eles se retiram, o que resta? Em consequência disso, quem lê muto e quase o dia todo, mas nos intervalos passa o tempo sem pensar em nada, perde gradativamente a capacidade de pensar por si mesmo – como alguém que, de tanto cavalgar, acabasse desaprendendo a andar. Mas é este o caso de muitos eruditos: leram até ficarem burros”.

Que falta faz a meditação, o tempo de reflexão, a maturação dos pensamentos, colocar ordem nas ideias. A requisição febricitante de nossos tempos não permite a pausa essencial para extrair da leitura automática, mecânica ou “dinâmica”, aquilo que ela pode oferecer para o nosso crescimento espiritual.

Outra observação interessante de Shopenhauer: a mania de comprar livros, verdadeiro vício, do qual me considero dependente. Não é raro que eu adquira livros que já possuo. Para ele, “seria bom comprar livros se fosse possível comprar junto com eles, o tempo para lê-los, mas é comum confundir a compra dos livros com a assimilação de seu conteúdo. Exigir que alguém tivesse guardado tudo aquilo que já leu é o mesmo que exigir que ele ainda carregasse tudo aquilo que já comeu. Ele viveu do alimento corporalmente e do que leu, espiritualmente, e foi assim que se tornou o que é. Mas, da mesma maneira que o corpo assimila o que lhe é homogêneo, o espírito guarda o que lhe interessa, ou seja, o que diz respeito a seu sistema de pensamentos ou que se adapta a suas finalidades”.

Tenho, também, o hábito de reler. Aquilo que li quando era jovem, adquire outra conotação agora na velhice. Isso é explorado por Shopenhauer: “a repetição é a mãe do estudo. Cada livro importante deve ser lido, de imediato, duas vezes, em parte porque as coisas são melhor compreendidas na segunda vez, em seu contexto, e o início é entendido corretamente quando se conhece o final; em parte porque, na segunda vez, cada passagem é acompanhada com outra disposição e com outro humor, diferentes dos da primeira, de modo que a impressão se altera, como quando um objeto é observado sob uma luz diversa”.

Tais trechos, extraídos do livro traduzido por Pedro Sussekind, são válidos para nossa reflexão. Ler é uma arte, portanto. Como escrever também é uma arte. Como saber ler e escrever constituem, ambas as atividades, uma arte complexa.

Quem nos oferta essa preciosa e precisa lição, é o mesmo filósofo que afirmou: “O dinheiro é a coisa mais importante do mundo. Representa: saúde, força, honra, generosidade e beleza, do mesmo modo que a falta dele representa: doença, fraqueza, desgraça, maldade e fealdade”.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 07 12 2021



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