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MAESTRO DA PRÓPRIA VIDA
Acadêmico: José Renato Nalini
É o nome de um livro escrito pelo Padre Rafael Vieira, SCJ, editado pela Angelus Editora e cuja leitura, além de interessante, é de utilidade extrema.

Maestro da própria vida

É o nome de um livro escrito pelo Padre Rafael Vieira, SCJ, editado pela Angelus Editora e cuja leitura, além de interessante, é de utilidade extrema. O propósito é refletir sobre como tomar decisões e administrar consequências, fenômeno ao qual todo ser humano se sujeita durante sua caminhada – curta ou longa – por este planeta.

Decidir, julgar, é fato corriqueiro. Permanentemente é-se chamado a optar. Se há liberdade na escolha, há uma servidão na consequência. É comum experimentar-se arrependimento por opções equivocadas.

Embora jovem, o autor mostra expertise no assunto. Não desconhece que o receituário para uma vida aparentemente liberta de motivos para se lamentar por falha na seleção ou erro nos critérios, é repleto de ofertas. Vasta literatura, de todos os matizes, é disponível, atestado de que o problema angustia os mortais.

Invoca Chesterton, que nos legou a verdade ao constatar que “o mal principal do nosso tempo é que a coletividade social tem fomentado a solidão espiritual. Nunca as pessoas estiveram tão acompanhados e nunca as almas estiveram tão solitárias”. Tal solidão espiritual remete a Zygmunt Bauman com sua concepção de sociedade líquida: o que era sólido – nossas certezas, a estabilidade dogmática em que podíamos nos amparar – se liquefez. Tudo é instável, incerto e inseguro.

Situação geradora de uma neurose coletiva, aquele difuso mal-estar da civilização já detectado por filósofos e psicólogos, que parece agravar-se nestes últimos anos. A busca incessante por uma felicidade alicerçada sobre o que é perecível faz com que a dor seja evitada, não importa quais os meios se utilizem. Mas o sofrimento e as dores – sejam elas físicas, psíquicas ou espirituais – fazem parte da contingência humana.

Quem se ancora em algo mais consistente do que um manual de autoajuda sabe que “na vida nada deve ser negado, tudo deve ser enfrentado, experimentado, assumido, para que, assim, o espírito que é resistente nos faça vencedores”. A metáfora é bem sugestiva: “o ser humano se torna um terreno bem adubado, capaz de transformar sofrimento em alegria, choro em esperança, fraqueza em força, medo em coragem, morte em vida!”.

Nada obstante, uma característica de nossa era é a fragilidade das novas gerações. Seres com escassa resistência a tudo o que os contraria. Seria culpa dos pais? Estes mesmos se questionam, diante dos resultados de uma educação que oscila entre a proibição e a ausência de freios. Tanto o autoritarismo opressor como a superproteção causam adversidade nesse projeto de educar uma pessoa para a felicidade possível. É preciso resgatar a sabedoria helênica: “nada em excesso”. Oportuna a abordagem à “síndrome de Peter Pan”, a dificuldade em aceitar o crescimento, a maturidade e o imprescindível desafio de tomar decisões. Quantas das quais sérias e irreversíveis.

Um capítulo reservado ao lema propagado por Sócrates – o “conhece-te a ti mesmo”- é de leitura obrigatória. As quatro esferas de relacionamento propiciadoras de equilíbrio começam com o autoconhecimento, depois o encontro com o próximo, a relação com a natureza e a questão transcendental. Sem adequado trato desses quatro eixos, não se atingirá o estágio de discernimento próprio a uma criatura racional.

O estudo do jovem sacerdote Rafael Vieira prossegue a examinar o embate entre o “falso eu” e o “verdadeiro eu”, examina protótipos como “o escrupuloso” e o “inescrupuloso”, a inclinação para o mal e a ataraxia, antes de chegar à tipologia das decisões. Aqui o foco é “o eu que olha”, com as figuras tão comuns em nossa sociedade: os narcisistas, os convencidos, os perfeccionistas, depois “o eu que é olhado”, com os manipuladores, os inseguros, os narcóticos e os ansiosos. Vamos identificar, em nosso círculo de convívio, todas essas expressões de uma sociedade plúrima e pródiga em anomalias, muitas delas patológicas.

Todavia, o livro não é um tratado de psicologia, que se limite a esmiuçar o esgarçamento da personalidade sem norte, mas uma proposta de reflexão para indicar rota segura de conciliação entre liberdade e responsabilidade. Densa a contemplação sobre o sentido da vida, a partir da exclamação de Nietzsche: “quem tem um porquê viver enfrenta quase qualquer como” e o exemplo concreto de Viktor Frankl, o respeitado sobrevivente a quatro campos de concentração nazistas, cuja mensagem ecoa profundamente nas almas sensíveis.

“O sentido da vida está em se conectar a pessoas, ações, situações e objetos valiosos”. Deixar o restritíssimo espaço do individualismo, do egoísmo, da filosofia corrente que poderia se exprimir em “você, para mim, é problema exclusivamente seu”. Padre Rafael Vieira indica o processo de tomada de decisões, mostrando os caminhos para tanto e todos eles viáveis. Mas a recomendação que pode partir de quem leu o livro, é de que ele seja saboreado atentamente, porque tudo nele concerne à nossa urgente necessidade de revisar valores e reavaliar nossa rota.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 11 11 2021



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