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FALTA COMIDA, SOBRAM FAVELAS
Acadêmico: José Renato Nalini
O país que tem o agronegócio como o mais promissor e gerador de lucros, é também aquele que convive com semelhantes que não têm o que comer.

Falta comida, sobram favelas


É humilhante e desesperador saber que quase vinte milhões de brasileiros passam fome. O país que tem o agronegócio como o mais promissor e gerador de lucros, é também aquele que convive com semelhantes que não têm o que comer. Outros quase vinte e cinco milhões não sabem como farão para se alimentar nos próximos dias e setenta e cinco milhões vivem na insegurança alimentar. Não podem nutrir a certeza de que não passarão fome daqui a um tempo.

O certo é que mais da metade dos brasileiros sofrem de insegurança alimentar, seja ela grave, moderada ou leve, de acordo com a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, a chamada Rede Penssan.

Simultaneamente, divulga-se que os chamados “aglomerados subnormais”, eufemismo para favelas, palafitas e cortiços desprovidos de condições mínimas para garantir a dignidade da pessoa humana, passaram de 6.329 em 323 cidades, para 13.151, em 734 cidades, entre 2010 e 2019. Pessoas que vivem nessa condição eram 3,1 milhões e agora são, no mínimo, 5,3 milhões. Não se acalente a esperança de que nestes dois últimos anos a situação reverteu. Ao contrário: é nítido o agravamento. Vê-se pelo expressivo aumento de moradores de rua.

Entretanto, a moradia é um direito social, garantido pela Constituição. A mesma Constituição que assegura educação como direito de todos e dever do Estado e da Família, em colaboração com a sociedade. População que não tem saneamento básico, emprego, saúde, educação e que ainda sofre do chamado “preconceito de CEP”, o que os priva de serviços como delivery e uber.

O “Minha Casa Minha Vida” chegou a construir cinco milhões de moradias entre 2009 e 2018. A partir daí, diz a pesquisa, começou a ser desidratado. A “Casa Verde e Amarela” enfrenta falta de recursos. De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Regional, tem 1.600 obras em andamento e a previsão é a de construção de 230 mil unidades.

Um levantamento do IBGE apurou que o PIB de Rio Verde, no Amazonas, é um dos mais elevados do Brasil. Contudo, famílias que trabalham para o agronegócio dependem de programas sociais e de trabalhos informais. O segundo maior produtor de milho do país tem quase sete mil beneficiários do Bolsa Família. Quer dizer que o progresso da lavoura não vai repercutir na periferia. Não é diferente em outras cidades, das quais o exemplo mais emblemático é São Paulo.

Esta cidade tentacular, uma insensatez, considerado o índice de ocupação, viu crescer, de forma assustadora, os seus moradores de rua, na fase de quase dois anos de pandemia.

Enquanto isso, há centenas de edifícios desocupados no centro da cidade, exatamente o espaço geográfico provido de todos os serviços de infraestrutura essenciais.

Uma das queixas dos empreendedores que poderiam adaptar esses prédios para residências, é o rigorismo da lei que foi elaborada para a Escandinávia, não para um país periférico e complexo como o Brasil. Fazer com que velhas – mas sólidas – estruturas se adaptem a exigências como acessibilidade, é impedir que tais imóveis tenham serventia.

Um pouco de flexibilidade, termo que está tão em voga para coisas menos importantes e até lesivas, como a flexibilidade do licenciamento ambiental, poderia motivar o investimento de quem teria condições de reduzir o déficit habitacional paulista.

Vi com bons olhos a notícia de que o novo Secretário da Prefeitura Paulistana para o setor escolheu a moradia como foco. Espero seja efetivamente viável uma consistente política habitacional. São Paulo tem tudo para dar o exemplo para o restante do Brasil.

Assim como os grandes produtores do agronegócio deveriam cuidar da alimentação da população adjacente aos seus centros de exploração da terra, também as construtoras, incorporadoras, grandes empresas da construção civil deveriam oferecer sua contribuição para sanar o problema da moradia.

Não existe uma tradição brasileira de mecenato, mas o Poder Público deveria estimular políticas que fizessem o empreendedor, assim que autorizado a realizar um grande investimento, uma grande construção ou incorporação, oferecesse a sua quota em residências de custo menor, econômicas, para suprir essa ausência de teto. Seria uma injeção na combalida economia brasileira e, muito mais do que isso, um gesto de resgate da dignidade cidadã, hoje comprometida por essa absurda situação: falta comida, sobram favelas e outros núcleos de submoradia.

O Brasil merece muito mais do que isso.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 30.10.2021



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