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A MATRIZ DA PESTILÊNCIA
Acadêmico: José Renato Nalini
Os descaminhos da política brasileira decorrem de várias causas. A primeira e condicionante das demais, é a falta de educação.

A matriz da pestilência


Os descaminhos da política brasileira decorrem de várias causas. A primeira e condicionante das demais, é a falta de educação. Enquanto a escola se ativer ao anacrônico sistema de adestrar crianças inteligentes, sufocar sua criatividade e fazer com que decorem informações acessíveis a um clique, não haverá uma consciência crítica suficientemente apta a escolher os melhores e a rechaçar a escória.

A deficiente educação formal concorre com a ausência de preocupação ética. Ética no seu sentido mais singelo de ciência do comportamento moral do homem na sociedade. Ética, a matéria-prima de que mais se ressente o Brasil de hoje. Basta recordar que nossas múltiplas, concorrentes e simultâneas crises começaram com a falta de ética. Depois vêm a galope as crises morais, as políticas, as econômico-financeiras e, para culminar, a sanitária.

Todavia, há um fator que produz a nociva contaminação de todo o sistema. É o instituto da reeleição. Considerada a matriz da pestilência na política partidária brasileira.

Essa nefasta estratégia obnubila as melhores e reiteradamente declaradas intenções. Na fase pré-eleitoral, chega-se até a dizer que, uma vez eleito, atuará no sentido da eliminação dessa prática deletéria. Pois no primeiro dia de mandato, ofuscado pela subserviência dos áulicos, prevê a possibilidade de permanecer por mais um período. E, por que não, sonhar com uma alteração constitucional que propicie mandatos ainda mais duradouros, tendentes à perpetuidade.

Aí começa o vale tudo: vende-se o que restou da alma, já comprometida no processo eleitoral. Atende-se à voracidade com que os políticos profissionais se acercam do poder, dele extraindo tudo o que é possível, para atender à volúpia vaidosa de quem passa a ostentar uma vocação arrogante, prepotente, autoritária.

Toda cúpula é geralmente mal cercada. O político profissional abomina quem fale a verdade. Para seus ouvidos surdos às necessidades do povo, a adulação, a lisonja barata, o servilismo constituem música encantadora. Quem tiver a audácia de alguma crítica, de alguma ponderação que não coincida com os seus delírios, é considerado um traidor, um quinta-coluna, alguém que tem de ser extirpado do círculo íntimo a merecer o gozo das viagens, das mordomias, das churrascadas e de outras invenções que dependem do gosto – ou, principalmente, do mau gosto – de quem ocupa transitoriamente o poder.

A hipocrisia que envolve o poderoso é um narcótico invencível. Já não há ouvidos para algo que possa contrariar a sua intenção de se eternizar, pois os que estão próximos reiteram que só ele é o predestinado, escolhido pela autoridade maior, para salvar o povo de cair nos braços de terríveis doutrinas que exterminam crianças, dissolvem a ideia de família e vetam os bons costumes, para substituí-los pela libertinagem e pelo caos.

Ainda que, porventura o titular do cargo/função fraqueje, a subserviência fiel não permitirá que ele desista de se reeleger. Pois onde ficarão os seus interesses? Quem ocupará o lugar que ocupam com tanto entusiasmo cívico e do qual se servem para satisfazer vontades que vão da vaidade à vontade invencível de enriquecer?

Quem conhece um pouco do gênero humano sabe que algo que se instaurou e que se mostre inconveniente, lesivo e até pérfido, não se consegue subtrair da estrutura estatal. Pois o Estado perdeu completamente a noção de que é instrumento a serviço da cidadania. Passou a ser fim em si mesmo, a serviço de quem o empolgou e já não quer deixar que ele possa vir a ser objeto de indesejável substituição. A rotatividade no exercício do mando é algo que desaparece até do discurso. Persiste é a manobra escancarada de permanecer agarrado a qualquer fímbria do poder, hostilizada a audácia de quem também se considerar merecedor de um sufrágio.

Assim, parece inviável qualquer tentativa de se excluir do ordenamento brasileiro essa matriz da pestilência, essa malfadada e infeliz instituição chamada reeleição. O exercente de um cargo público se considera o único apto a comandar a máquina estatal. Invoca até a superada teoria do direito divino do monarca, usando livremente do nome de Deus, para pleitear a renovação de seu mandato.

Com isso, o primeiro período de gestão é apenas o empenho hercúleo para garantir o segundo. Como seria bom que houvesse um terceiro, e um quarto e ninguém mais se importasse com essa prática tão perigosa chamada renovação dos quadros gestores da estrutura estatal!

Será exagero essa visão tão pessimista? Quais as vantagens reais da reeleição? Ela resiste ao cotejo de custo/benefício para o aprimoramento da vida democrática? Aceito testemunhos e provas.

Publicado no Blog do Fausto Macedo/Opinião/Estadão
Em 15.10.2021



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