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ANJOS DA ESCOLA
Acadêmico: Gabriel Chalita
"Estou cansada. Triste. Queria ter feito mais. Mas quem sou eu? Não tenho o poder dos poderosos. Não tenho como entrar na mente das pessoas e impedir que elas façam o mal. Não tenho nem o poder de decidir o que as crianças precisam aprender na escola."

Estou cansada. Triste. Queria ter feito mais. Mas quem sou eu? Não tenho o poder dos poderosos. Não tenho como entrar na mente das pessoas e impedir que elas façam o mal. Não tenho nem o poder de decidir o que as crianças precisam aprender na escola.

Fico matutando comigo mesma: mandam decorar tanta coisa e não se preocupam com o que é mais importante. Essas crianças não têm amor dentro de casa. Eu sei disso. É muita violência e pouca conversa. Os pais jogam os filhos na escola e acham que a responsabilidade não é deles. A escola faz o que pode. E é tanta mudança de orientação do povo que tem poder que fico com pena dos professores. E como eles trabalham! Conheço tantos que dão a vida para que seus alunos aprendam, para que cresçam, que ganhem confiança, que sejam felizes.

Eu sou uma mulher que, há anos, trabalha alimentando crianças. Sou merendeira. E gosto do que eu faço. Aqueles olhinhos em busca do que eu tenho para oferecer. Alguns são muito educados; outros, mais calados; outros estão perdidos. Mas alimento a todos, sem distinção. O que aconteceu foi a coisa mais triste que já vi. Que ódio tinham esses dois? O que foi que houve? Alguns dizem que é por causa das famílias sem amor. Outros que é o tal do bullying que sofreram na escola. Outros que é por causa de uns jogos desse negócio de computador que faz com que fiquem matando o tempo todo. Eu não sei. Só sei que foi muito triste. Tem gente que defende que todo mundo possa ter armas. Eu não. Isso não é certo. Gente armada fica mais perigosa. Tem tanta briga por aí. Gente que fica com a cabeça quente e, depois, passa. Imagine todo mundo armado. Meu Deus! É só pensar um pouco.

Eu consegui salvar muitas vidas. Eu e as minhas amigas merendeiras. Conseguimos esconder as crianças. Conseguimos proteger as suas vidas. Mas algumas vidas se foram. Estavam aqui e não estão mais. Fico pensando nos pais chorando. Imagine uma mãe recolhendo as bonecas da filha, arrumando o quarto, juntando as coisas. Imagine a conversa deles na sala. Não. Não está certo. Deus não quer isso. Sou muita religiosa, sabe? Mas não sou das que acreditam que tudo o que acontece é por vontade de Deus. Deus deu a liberdade ao homem. E esses erros, esses crimes horríveis, são cometidos pe la ausência de amor.

Há muito egoísmo por aí. Muita gente que ninguém vê. E que clama por socorro. Eu presto atenção. Quando vejo uma criança mais triste, puxo conversa. Sei de cada coisa! É pai que bate em mãe. É pai que chega bêbado em casa. É mãe que não queria ser mãe e que reclama o tempo todo. É criança que já sofreu todo tipo de violência. Sabe o que é um padrasto se aproveitar de uma menina e a mãe, bêbada, nem tomar conhecimento?

Pois é. Ninguém nasce bandido, não. Deus não faria isso. Vai ficando. Minha mãe sempre me disse isso. A gente tem que dar o exemplo. Com a graça de Deus, minhas filhas são ótimas. Claro que não são perfeitas. Mas elas confiam em mim. Tudo, elas me contam. E a gente conversa. E, se precisar, choramos juntas. Meu marido faleceu não faz muito tempo. Essas doenças não mandam recado. Vêm e levam. E tem a doença da alma. Esses dois estavam com a alma doente e ninguém viu. Tem muita gente com a alma doente.

Estou cansada, sim. Não foi um dia fácil. Quando a polícia chegou, nos abraçamos e choramos muito. Quando eu vi os corpos dos que não conseguimos salvar, chorei mais ainda. Chorei pelas que mataram também. Quanta tormenta na mente deles! Quanta dor! E suas famílias?

Não. Não quero julgar ninguém. Quero rezar, isso sim. Rezar e agir. Precisamos plantar mais amor. Uma escola tem que ser um espaço de paz. Que os Anjos nos inspirem, nos guardem, nos protejam. É o que eu posso desejar. É o que eu posso fazer.

Amanhã, eu volto para trabalhar. Que seja um dia bom. Se eu pudesse colocar pitadas de amor na comida...

Publicado no dia 17 de março, no jornal O Dia (RJ).





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