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O QUE EU TENHO COM ISSO?
Acadêmico: José Renato Nalini
"A constatação é cruel: a sociedade está enferma. Encarcera o infrator jovem que ela mesma produziu e descumpre a obrigação de ressocializá-lo para que sua reinserção no meio social se faça de maneira tranquila."

As rebeliões em presídio não podem ser consideradas um caso fortuito. Lembram mais a crônica de mortes anunciadas. Superlotar espaços que são edificados para abrigar metade ou até um terço do número de ocupantes só pode acabar em carnificina. Afinal, os reclusos são seres humanos que se consideram injustiçados, têm ressentimento e quando submetidos a disciplina rígida e a condições desfavoráveis, liberam mecanismos instintivos de violência reprimida.

A recorrência de episódios tais deveria servir para uma profunda reflexão coletiva. Quem está dispensado de pensar a respeito e de procurar pistas de fórmulas racionais de enfrentamento do assunto?

Ninguém está excluído desse debate. Primeiro, porque é um tema de interesse nacional e se não for adequadamente equacionado, interferirá na vida de todos os residentes no Brasil. Em seguida, porque a delinquência é um fenômeno social, não é um problema exclusivo do governo. Aos poucos, fomos produzindo as condições favoráveis ao surgimento de uma criminalidade precoce, cada vez mais intensa.

A experiência evidencia que o delito é praticado pelos jovens. Se conseguíssemos conscientizar os moços de 15 a 24 anos de que há outros caminhos a seguir para a consecução dos objetivos existenciais que não o crime, cerca de 80% do flagelo da delinquência estariam debelados.
Por que chegamos a esse ponto?

Há um conjunto de causas. A primeira é o declínio dos valores. Honestidade, probidade, seriedade, lisura e outras virtudes encontram-se muito desprestigiadas. Disseminou-se uma percepção de que não vale a pena sacrificar-se ou passar necessidades. A vida é breve e precisa ser curtida.
As instituições que auxiliavam a blindagem da criança e do jovem, protegendo-o da peste do mal, foram aos poucos perdendo força. Família era um núcleo formador do caráter, de transmissão dos atributos caracterizadores da pessoa de bem, escola de disciplina e de trabalho. Pais exerciam autoridade e, infelizmente, o conceito passou a significar autoritarismo. Corrigir passou a representar opressão. O Brasil editou a “lei da palmada”, consequência de se encarar a repreensão como intolerável forma de traumatismo do ser educando.

A Igreja seja qual for a confissão religiosa flexibilizou-se para não ser de todo relegada. Aconteceu no mundo inteiro. É uma tristeza verificar na Europa Continental que inúmeros templos, repositórios arquitetônicos e históricos que acolheram emocionantes manifestações de fé, hoje servem a outras finalidades. Foram transformadas em boates, bares, casas de comércio, quando não mereceram destino menos nobre.

A escola foi perdendo prestígio. Não acompanhou a profunda mutação dos costumes e foi de longe superada pelo avanço tecnológico. Vivencia-se a quarta ou quinta Revolução Industrial e a sala de aula continua, em tese, com o mesmo design.

Qualquer modificação do sistema encontra óbices, naturais quando se considera a força da inércia, mas também ditados por interesses setoriais, nem sempre vinculados ao bem comum.
A constatação é cruel: a sociedade está enferma. Encarcera o infrator jovem que ela mesma produziu e descumpre a obrigação de ressocializá-lo para que sua reinserção no meio social se faça de maneira tranquila.

Não chega a um acordo sobre o que fazer com essa população carcerária que só cresce. Construir mais presídios? Continuar a sustentar esse equipamento em que cada unidade onera o orçamento público mais do que o dobro do custo de uma escola de qualidade?
A cidadania está com esse desafio em seu colo: o que fazer com a questão carcerária? Chegar-se-á a um consenso neste momento em que a percepção generalizada é a de que só existe um consenso no Brasil: a mais absoluta falta de consenso?



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