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DISCURSO DE RECEPÇÃO PELO ACADÊMICO ISRAEL DIAS NOVAES
Acadêmico: Anna Maria Martins
"Já agora, com vossa chegada, atingimos a pequena cifra de três senhoras escritoras, e que escritoras! e que Senhoras! e que Senhoras escritoras!", destacou o acadêmico sobre Anna Maria Martins

Senhor presidente, meus senhores:

- proclamo, desde logo, o agrado com que me desincumbo da designação para receber, nesta casa, a nova titular da cadeira de nº 7 da Academia Paulista de Letras. Sou veterano admirador de Anna Maria Martins, tanto da escritora quanto da pessoa.

Esta Casa, que sempre buscou recrutar personalidades capazes, mas também de bom convívio, desta feita acertou em cheio: a escritora integra o elenco de talentosos escritores paulistas, ao tempo em que se marca pela civilidade e a gentileza: notável contista e detentora daquilo que outrora se identificava como "de fino trato". Constitui uma graça conhecer e freqüentar Anna Maria Martins.

Afianço, neste começo de saudação: jamais acadêmico algum adentrou esta Casa de cultura tão patrocinada quanto esta senhora que hoje recebemos. Provinda de estirpe de primeiro realce na história brasileira - os Andradas - Anna Maria, nascida do Amaral de Andrada Coelho encontra uma Academia ostentando, na relação dos patronos, nada menos de quadro ascendentes: José Bonifácio, o Velho; Martin Francisco; António Carlos; José Bonifácio, o Moço. Este, seu bisavô, por obra do acaso, e este é o nome que Deus usa quando não quer aparecer - figura simplesmente como o patrono da cadeira de nº 7, em que hoje ela se empossa. José Bonifácio, o Moço! Ídolo da juventude acadêmica do seu tempo, catedrático da Escola de Direito, político, orador consagrado, escritor, este, certamente, emprestou o nome à cadeira de nº 7, destinando-a à bisneta, que, mais de um século depois, vem honrá-la. Herdeira intelectual do bisavô, essa circunstância valeu ao Moço o retrato que acabamos de ouvir.

Mas, não para aí o relacionamento pessoal e familiar de Anna Maria com esta instituição. Seu longo e nobre sobrenome histórico ela o substitui pela simplicidade de Martins. Por que? Em razão de seu casamento com destacado membro desta Academia: Luis Martins, na identidade Luiz Caetano Martins, romancista, crítico, poeta, homem de imprensa, foi mormente na crônica diária que ele se fez estimar entre nós. Cronista diário n "O Estado de S. Paulo", conseguiu ele impor-se ao leitor paulista peja graça, a inteligência, a fluidez, com que abordava o cotidiano brasileiro.

Carioca típico, decidiu abandonar as belezas do Rio em favor da nossa Capital. Esplêndida aquisição. Luis Martins nada perdeu na mudança, o poder de comunicação, a cordialidade, o permanente humor em pouco lhe garantiam alastrado círculo de amigos. Luis Martins, na verdade, compreendeu São Paulo, podendo com isso desmentir o conceito carioca de que não haveria maior solidão do que a companhia de um paulista. Essa suposta frieza da nossa gente acalorou-se com o "papo" do prodígio comunicativo daquele cidadão de estatura média, corado e sempre pronto para uma tirada de espírito. Pouco antes de morrer tragicamente, o que sob nenhum aspecto dizia com o seu espírito, concluiu ele as memórias, às quais emprestou título inigualavelmente apropriado: "Um bom sujeito".

Seu casamento com a jovem Anna Maria a ninguém surpreendeu: o excelente escritor deparara com uma paulista de talento literário embutido.

A nova acadêmica encontrou no cônjuge a tão festejada e pouco comum "alma gêmea". A esposa, na sua companhia, viu despontar uma vocação literária sentida desde a adolescência, no curso ginasial. Ao lado de Luis, entrou decidida na atividade. Descobriu logo o gênero do conto. Vieram os livros, três, que a crítica militante celebrou. Detentora da virtude de contenção estilística, nunca transbordada, Anna Maria, agora Martins, nome de casada, em desfavor de séculos históricos, mas em atenção ao escritor que o destino lhe reservara para companheiro, assinalava-se igualmente por verdadeiro descaso para com a notoriedade: jamais se promoveu. Sua arte, solitária, tinha "o pudor de falar alto" na observação do poeta. Histórias curtas, sem enredo, ou enredo diluído em atmosfera. Nunca Maupassant ou Lobato; possivelmente, Katerine Mansfield. Advirtam-se os levianos quanto à idéia de gênero fácil sobre o conto. Seu volume mais recente e esguio ostenta uma epígrafe extraída de Faulkner: "Quando seriamente explorada, a história curta é a mais difícil e a mais disciplinada forma de escrever prosa". Essa seriedade a escritora transformou na obrigação primeira do seu labor.

Recorde-se a propósito o mais engenhoso "conteur" do idioma, Mário de Andrade, quando, indagado sobre obra em elaboração, informou: "Estou metido no romance, por não dispor do tempo para o conto".

Os quatro livros de contos de Anna Maria Martins alinham-se assim: “A Trilogia do Emparedado”, prêmio Jabuti (revelação de autor) prêmio Afonso Arinos, da A.B.L. (1973); "Sala de Espera", 1978; "Katmandu", prêmio Instituto Nacional do Livro, 1983; "Retrato sem Legenda", no prelo.

A escritora encontrou vagar para atividades práticas, todas ligadas à cultura: dirigiu a Oficina da Palavra, "Casa Mário de Andrade", antiga residência do autor de "Macunaíma", na pequena mas ilustre rua Lopes Chaves, por cerca de quatro anos, num desempenho notório pela dedicação e competência; é vice-presidente da União Brasileira de Escritores; participou de júris literários e de programas do poder público... Deu palestras em universidades locais e nos Estados Unidos. Devemos-lhe, igualmente, traduções numerosas, em diferentes idiomas. Aliás, atribui ela às traduções sua procura pelo termo exato na arte literária.

Acadêmica Anna Maria Martins: Vosso ingresso na Academia Paulista de Letras tem múltiplos significados, inclusive aquele da crescente representação feminina nos nossos quadros. Entre os quarenta patronos escolhidos figurava apenas uma mulher, Barbara Heliodora, na cadeira de nº 8, fundada por Prisciliana Duarte de Almeida, poetisas ambas. Foram necessários mais de meio século para que outra mulher viesse a formar entre os quarenta imortais: a mestra do romance urbano Maria de Lourdes Teixeira, empossada em 1969. Possivelmente, a Academia, assim tão paradoxalmente masculina, considerasse as escritoras apenas como zelosos repousos do guerreiro...

Já agora, com vossa chegada, atingimos a pequena cifra de três senhoras escritoras, e que escritoras! e que Senhoras! e que Senhoras escritoras!

Creio chegada a hora de a Academia, a exemplo das novas e anunciadas chapas eleitorais, reservar a cota de vinte por cento para as damas escritoras, isto é, 8 em quarenta... Isso, para começo de conversa.

Vosso ingresso demonstra, à saciedade, como se impõe a eleição de outras mais, sobretudo por que a mulher, em todos os campos de atividade, disputa hoje com os homens, de igual para igual, e aqui e ali, mesmo, os sobrepuja.

Boas vindas, escritora Anna Maria Martins. Esta Casa é vossa e sente-se honrada e enriquecida com a vossa presença.



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