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Acadêmico: Ruth Rocha "Sinto-me emocionada em pertencer a essa casa, que desde a sua fundação custou a seus membros, considerável esforço no sentido de mante-la viva e atuante."
Estou aqui hoje para tomar posse da cadeira 38 da Academia Paulista de Letras e o faço com grande orgulho, alegria e responsabilidade Sinto-me emocionada em pertencer a essa casa, que desde a sua fundação custou a seus membros, considerável esforço no sentido de mante-la viva e atuante. Passou por momentos de muitas dificuldades vencidas graças à dedicação de todos os acadêmicos e tem mantido seu nome em lugar de honra entre as instituições culturais deste país. Mas não desconheço a responsabilidade que essa admissão me confere. As instituições culturais têm todas a missão de servir ao país. Não são criadas para cultivar vaidades engrandecer a fama ou estimular a popularidade de seus membros. Não são feitas tampouco para promover trocas políticas. A união de pessoas que já têm o reconhecimento da sociedade, seja por trabalhos executados, idéias enriquecedoras ou por empenho extraordinário, só terá razão quando sua atuação for no sentido de guardar ou de contribuir para resguardar e conservar a cultura de seu país. Como disse Alfredo Bosi “ a cultura letrada guarda sempre certa capacidade de resistência, que está ligada à história interna específica, ritmo próprio e um modo peculiar de existir no tempo histórico e subjetivo.” É desse resguardo, dessa resistência que falo, quando me refiro ao papel mais importante que têm as instituições culturais. Essa atuação se faz em diferentes sentidos mas talvez a mais importante seja hoje a de fazer frente à cultura estilhaçada e fragmentada que encontramos nos dias atuais, disfarçada de cultura popular. Os meios de comunicação à medida em que se aperfeiçoam tecnologicamente, tendem a confundir o erudito e o popular, esgarçando e diluindo as duas formas de cultura com resultados redutores e medíocres. Por outro lado, a tradição alicerça a Cultura, mas não podemos esquecer que todas as tradições começaram um dia. Por isso, é importante também que as instituições culturais acolham o novo, o novo, consistente e enriquecedor, mas não o novo desmodismos e sem fundamentos. É sobre esse novo que novas tradições vão surgir e enriquecer a totalidade da nossa cultura. A Academia deve irradiar sobre a sociedade seus princípios e valores. É o que ela tem feito através dos tempos. Eu mesma sou testemunha disso. Muitos acadêmicos influenciaram de maneira direta ou indireta minha formação. A cadeira 38 que estou assumindo, cujo patrono foi Clemente Falcão de Souza Filho e seu fundador Adolfo Augusto Pinto teve como ocupantes diversos acadêmicos ilustres. O mais recente deles foi Nilo Scalzo. Quando eu era jovem, com 13 anos, descobri a Literatura e a Biblioteca Circulante. No dia em que entrei nesta biblioteca e vi a quantidade de livros que ela abrigava, eu me propus a ler todos, um em seguida ao outro. E foi o que eu fiz durante algum tempo, sem critério nenhum ao sabor da arrumação das estantes. Devo à Nilo Scalzo e à seleção que ele fazia nos suplementos culturais do Estado de São Paulo o aprimoramento do meu gosto literário. Lendo esses suplementos fui aos poucos organizando meu julgamento e a apreciação dos valores literários que as obras continham e me guiei durante muitos anos pelo trabalho desse grande jornalista. Devo ao acadêmico José Cretella Júnior o ocupante da cadeira número 1, meus primeiros estudos de latim, que me ajudaram de maneira consistente a adquirir o amor pela língua e pelo seu estudo. Devo ao acadêmico Antônio Soares Amora, meu professor de Literatura no colégio Bandeirantes, minha iniciação em estudos literários. Foi a partir de suas aulas que descobri que a literatura não é um fenômeno intuitivo, mas que se baseia em considerações mais profundas, passiveis de estudo e de pesquisas. Eu conheci, então, mestre Alceu Amoroso Lima, que diz que só fazemos verdadeira teoria literária quando no decorrer da análise objetiva das obras, dos movimentos, das escolas, nos recusamos por princípio a subordinar a obra de criação a fatores sociais determinantes e externos ao próprio artista. Devo ao acadêmico Oraci Nogueira, meu professor na Escola de Sociologia e Política minha visão crítica da sociedade e minha aversão ao autoritarismo e aos preconceitos de toda ordem, que são os elementos estruturantes da minha obra. Devo ao acadêmico Sérgio Buarque de Holanda que foi também meu professor na Escola de Sociologia e Política, minha visão do Brasil com olhos tolerantes e a percepção de que o nosso país é ele mesmo tolerante e isso deveria servir como exemplo ao resto do mundo. Sergio Buarque de Holanda conhecia profundamente muitos assuntos. Suas aulas eram ricas e enveredavam por muitos caminhos e todas essas trilhas continham aventuras e surpresas. Da mesma forma que ele estudou o alargamento das fronteiras brasileiras, expandiu as fronteiras do conhecimento de seus alunos. Sua visão ideológica era crítica e não atrelada, o que é uma outra maneira de não ser autoritário. Devo muito ao acadêmico Mário de Andrade, que não foi meu professor, mas foi o mestre de todos nós. Ensinou a linguagem sintética, mas não facilitadora; a valorização do equilíbrio entre estética e nacionalidade sem estereótipos; o humor; a ousadia formal; a elaboração mais autêntica do folclore; a irreverência não gratuita, mas que produz uma crítica social profunda; a adesão à mestiçagem e a valorização da nossa cultura sem considerá-la inferior a nenhuma outra. Essas características do modernismo vão se irradiar por toda a literatura brasileira não só nas décadas seguintes, mas desde a Semana de Arte Moderna para sempre. Devo por fim ao acadêmico Monteiro Lobato o próprio fato de escrever para crianças. Ele me ensinou o poder da irreverência e do humor como instrumento de crítica e portanto, de arte; a incorporação do imaginário à realidade, pois com ele aprendi que é sempre possível fazer bolinhos para o Minotauro; a idéia profunda ligada à linguagem concreta; o culto à liberdade e à justiça protagonizada pela Emília “Eu sou a Independência ou Morte!” Com Lobato também aprendi a utilizar a Cultura Brasileira como instrumento estético e literário valorizando nossos personagens folclóricos e criando uma verdadeira mitologia. Lobato, muito antes dos movimentos feministas, valorizava as figuras femininas. O sítio, como diz João Carlos Marinho é um matriarcado profundamente democrático. E principalmente aprendi que a literatura para crianças e jovens não deve ser considerada um gênero menor, mas sim, verdadeira literatura. José Bento Monteiro Lobato foi o primeiro autor de livros para crianças e jovens admitido na Academia Paulista de Letras. Depois dele tivemos Leonardo Arroyo, Francisco Marins e Hernani Donato, todos preocupados de que criança e adultos aprendessem a apreciar o Brasil na sua extensão, na sua beleza, nas suas riquezas mas, principalmente na sua cultura. E não vamos esquecer que Ignácio de Loyola Brandão também estreou recentemente com um belo livro infantil que obteve grande sucesso. Até aqui me dirigi ao público adulto que me honra enormemente com sua presença. Vejo poucas crianças na platéia, naturalmente pelo horário desta cerimônia. Mas a elas dedico as próximas palavras: “Toda criança do mundo mora no meu coração” TODA CRIANÇA DO MUNDO Seja pobre, seja rica, Seja grandona ou nanica, Mulata, ruiva, amarela, Seja bonitinha ou feia De trança ou touca de meia Use sapato ou chinela... Seja branca ou seja preta De seda ou de camiseta Com diploma ou sem escola Triste, alegre ou boazinha Que goste de amarelinha Ou goste de jogar bola... Seja indiazinha do mato Não goste de usar sapato Caeté ou cariri Caipira ou da cidade Diga mentira ou verdade Em português ou tupi. More em casa ou num barraco Coma na mão ou no prato Viva lá no fim do mundo Durma na cama ou no chão Toda criança do mundo Mora no meu coração. voltar |
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