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A LITERATURA FEMININA
Acadêmico: Betty Milan
A questão não é de sexo, mas de estilo; sempre que o estilo é surpreendente, o caminho é difícil

A literatura feminina

A Academia Paulista de Letras abre as suas portas para mais um evento cultural relevante, visando valorizar as letras, os livros e os leitores. Trata-se da exposição "A presença feminina na literatura brasileira: um caminho difícil". Um título que dá o que pensar.

Para a exposição, o Instituto Peck Pinheiro cedeu as primeiras edições de escritoras brasileiras, além da sua correspondência, revelando os desafios enfrentados por elas para se afirmar no universo literário. Entre as escritoras figuram Cecília Meireles, Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector, Cora Coralina, Adélia Prado…

No dia da abertura da exposição, 30 de maio, haverá na academia um evento paralelo com inúmeras conferências para celebrar a presença feminina na literatura.

A propósito do "caminho difícil", focalizo a história de Lispector. Apesar de ter sido publicada pela maior editora francesa, a Gallimard, permaneceu desconhecida até 1976. Só então a situação mudou. Graças à aquisição pela Éditions des Femmes dos direitos autorais da obra e à renomada escritora Hélène Cixous —criadora do departamento de estudos femininos na Universidade de Vincennes—, que se apaixonou pela literatura de Clarice e escreveu um trabalho de fôlego sobre a mesma.

Segundo Hélène Cixous, a demora para o reconhecimento da autora brasileira se explica pelo handicap de ser mulher e por escrever um texto cuja intensidade a torna difícil para a maioria dos leitores franceses.

Cixous exemplificou isso, referindo-se a "Água Viva", "um texto que não começa, não termina, constituído de inúmeros começos, uma enorme corrente de água… Um texto que não tem limite, pede uma leitura que seja uma aventura, como a da escrita da autora, em que é necessário mergulhar".

Clarice foi subversiva. Sempre se interessou, por exemplo, pelo que há de menor, de mínimo. O maior, para ela, era o menor. O sobrenatural era o natural. Ousou inverter permanentemente os valores, opondo-se à estrutura clássica. A ordem, a organização não importava. Afirmou que não escrevia histórias, simplesmente fatos.

Sua escrita é imprevisível, traço que tem a ver com a feminilidade e não está ao alcance de todos —seja dos escritores homens ou mulheres. A questão não é de sexo, mas de estilo. Sempre que o estilo é surpreendente, o caminho é difícil porque a obra é original como deve ser. Pela originalidade, o artista obviamente paga um preço que pode ser maior ou menor. Precisa ter a coragem da paciência.

O que o evento da Academia Paulista de Letras agora celebra é também o desta coragem, da resiliência de quem tem o handicap de ser mulher e deve esperar mais para se impor. O Prêmio Nobel existe há 121 anos. Entre as 121 pessoas laureadas, apenas 18 são mulheres, menos de 15. Os dados falam por si e justificam a insistência na valorização da literatura feminina. Tomara outras academias brasileiras organizem eventos semelhantes.

Publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 19 05 2025



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