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Acadêmico: Ignácio de Loyola Brandão Anos depois daquela entrevista, tive um sonho. Juscelino veio, me pegou pelas mãos, me conduziu a Brasília. JK chorava. “Por que, presidente?” E ele: “Porque não foi essa Brasília que eu e milhares de candangos idealizamos. E não sei o que fazer”
Em 1958, aos 22 anos, entrevistei JK caminhando dentro da Mafersa em São Paulo, por ele recém-inaugurada. Era diferente a relação entre imprensa e personalidades, mais solta. Terminando, foram apenas duas perguntas; arrojado, eu disse: “E Brasília? É um sonho, preciso ir lá”. Jogava na sorte, talvez ele me convidasse para ir. O presidente estendeu a mão: “Tenha um sonho. Um dia sobrevoaremos Brasília juntos”. Sorri, sabia que era uma generosidade, coloquei os pés no chão, jamais vai acontecer. E quando ele morreu, em 1976, vi: agora é que vai ser nada. Segui vida, cheguei a este momento com milícias, Centrão, PMs matando, jogando gente nos rios, atirando pelas costas, balas assassinando crianças, espalhando pânico. E um governador temeroso de que isso atrapalhe seu caminho para o Planalto e o secretário Derrrota, digo Derrite, caladinho, seguro de sua impunidade; estamos vivendo o cotidiano atemorizados. Qual o futuro de minha neta Antonia com ano e meio? Estou com medo. Se morrer por uma bala perdida, ela não terá sido perdida, terá sido dirigida a mim, afinal continuo a caminhar por estas ruas mal iluminadas, à espera de arranha-céus infinitos. Esta noite, tive um sonho. “I have a dream”, disse Luther King em 1963. Juscelino veio, me pegou pelas mãos, me conduziu a Brasília. JK chorava. “Por que, presidente?” E ele: “Porque não foi essa Brasília que eu, dom Bosco, Oscar Niemeyer, Lúcio Costa, Ulisses Guimarães, Tancredo Neves e milhares de candangos idealizamos. E não sei o que fazer”. Vocês não sabem o que é ver um presidente penalizado. Sobrevoamos o Alvorada e o Itamaraty. E o choro amargurado aumentou ao olhar o Senado e a Câmara e ver os edifícios soterrados por pacotes que iam às nuvens estufados de dólares, euros, bitcoins, ienes, dinares, francos suíços, pesos, dirhams, acompanhados de um cheiro nauseante que emanava dos gabinetes. “Sinta o fedor”, disse JK. “Foi para isso que construí tão bela cidade?” Presidente, emendei, olhe o Acre, Manaus, São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Rio, tudo, tudo, até nas menores vilas é a mesma coisa, podridão. A catinga se abateu sobre tudo e todos. “Ah, então está cumprido nosso signo: somos pó e a ele tornaremos.” E desapareceremos transformados em poeirinha. Já somos! Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 15/12/2024 voltar |
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