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O BRASIL É VÍTIMA DO SEU CONGRESSO
Acadêmico: José Pastore
Realmente, fomos vítimas do Congresso Nacional. E não é a primeira vez. Dezenas de leis extrativistas têm sido aprovadas para atender a privilégios de parlamentares e de corporações à custa de extrair recursos do povo.

A frase não é minha. É do professor Frédéric Louault, da Universidade de Bruxelas, que escreveu um capítulo sobre o Brasil no Relatório do Observatório Político da América Latina em 2018. Ele argumentou que o Congresso Nacional tem força para manter ou afastar o presidente do Brasil, assim como para acelerar ou retardar mudanças em função das vantagens políticas e dos privilégios que os parlamentares podem obter.
A frase me veio à mente quando vi o Senado Federal acabar com as medidas referentes à redução de jornada e à suspensão do contrato de trabalho que, comprovadamente, preservaram milhares de empresas e milhões de empregos a um custo moderado.
Afinal, a pandemia não acabou. Seiscentas mil empresas fecharam. Dentre as sobreviventes, muitas continuam com problemas gravíssimos. Uma legião de trabalhadores está desempregada. A metade dos brasileiros vive em domicílios sem nenhuma renda do trabalho. A fome se espalha. O pleno crescimento da economia está longe. As estimativas para 2021-2022 se reduzem a cada dia.
No meio desse quadro dramático, desumano e doloroso, os senadores decidiram arquivar a MP 1.045 que dava uma sobrevida às referidas medidas: jogaram fora a água do banho junto com a criança. As empresas em dificuldades despedirão empregados.
Realmente, fomos vítimas do Congresso Nacional. E não é a primeira vez. Dezenas de leis extrativistas têm sido aprovadas para atender a privilégios de parlamentares e de corporações à custa de extrair recursos do povo.
Está fresca na memória a aprovação de R$ 5,7 bilhões para o Fundo Eleitoral. Recentemente, os deputados aprovaram um novo Código Eleitoral que amplia ainda mais a liberdade para os partidos usarem os recursos dos Fundos Partidário e Eleitoral; afrouxa as responsabilidades dos eleitos; torna letra morta a obrigatoriedade de prestação de contas; esteriliza a Lei da Ficha Limpa etc. Em 2020, no meio da pandemia, ajustaram em 170, para si mesmos, as despesas com saúde pagas pelo erário. Na análise da PEC 32/2020, a Comissão Especial excluiu da reforma administrativa vários grupos de servidores que insistem em manter penduricalhos por eles definidos como “direitos” ou privilégios adquiridos.
Voltando ao ato impensado dos senadores, cabe a eles encontrar uma solução expedita para conter as dispensas que vêm pela frente. Medidas desse tipo são usadas no mundo inteiro com pleno êxito. A Alemanha criou o kurzarbeit em 1910, depois adotado por vários países e em uso até os dias atuais. A perda do emprego é devastadora para os trabalhadores, que ficam sem renda; para as empresas, que ficam sem empregados treinados; e para o governo, que gasta muito com o seguro-desemprego.
O que terá ocorrido aos senadores que decidiram punir os brasileiros de maneira tão maldosa? A vacinação em massa, é verdade, trouxe ânimo às pessoas. Mas a pandemia segue ceifando vidas e deixando cicatrizes. A pobreza e a desigualdade aumentaram. As pequenas e médias empresas continuam sufocadas por dívidas e juros altos. A inflação corrói a renda de quem ganha alguma coisa. Não me conformo. Com essa decisão, os senadores deram razão ao professor Louault.
Mas que fique claro: os demais Poderes da República não estão livres de decisões em causa própria e à custa do sofrimento dos mais pobres. Não é à toa que os brasileiros que “confiam muito” no Poder Executivo são apenas 16; no Judiciário, são 15; no Legislativo, 4; nos partidos políticos, 3 (Datafolha 26/9/2021).


Publicado no jornal O ESTADO DE S. PAULO, 30 de setembro de 2021.





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