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EU VI NASCER A TELEVISÃO NO BRASIL!
Acadêmico: Roberto Duailibi
Devo ser um dos poucos sobreviventes dessa época. Era um garoto de 14 anos de idade e minha família havia acabado de retornar a São Paulo, depois de passar 18 anos em Mato Grosso, em busca de um sonho.

Devo ser um dos poucos sobreviventes dessa época. Era um garoto de 14 anos de idade e minha família havia acabado de retornar a São Paulo, depois de passar 18 anos em Mato Grosso, em busca de um sonho.

Com a herança que minha mãe recebeu da venda da casa de seu pai no Líbano, compramos uma casinha na Rua Eça de Queiroz, na Vila Mariana, com 5 metros de frente e 50 metros de fundo. Era um bairro de classe média e, para mim, a grande vantagem era que nossa casa ficava em frente ao Colégio Benjamin Constant (antigo Deutschschule) e do Colégio Bandeirantes. Além de boas escolas, eram uma espécie de clubes esportivos, pois tinham quadras de vôlei, basquete e handebol — o Benjamin Constant foi o introdutor do esporte no Brasil —, além de excelentes bibliotecas.

Na rua em que eu morava ninguém tinha carro.

A primeira família a comprar um foi a Galimberti, que tinha uma joalheria no Largo São Francisco. Foram também os primeiros a comprar um aparelho de televisão no bairro, antes mesmo da inauguração da TV Tupi.

Eram pessoas generosas: deixaram o aparelho perto da janela da sala, que dava diretamente para a rua, a fim de que os vizinhos pudessem vê-lo.

Foi assim, na tarde da primeira transmissão, às 17h30 de 18 de setembro de 1950. A televisão dos Galimberti na janela e todos os vizinhos da Rua Eça de Queiroz na calçada.

Começa o programa da PRF-3, TV Tupi, com o indiozinho. Aparece Assis Chateaubriand e Dom Paulo Rolim Loureiro, que iria abençoar o equipamento RCA importado pelo jornalista. Surge Lucas Nogueira Garcez, governador que já havia rompido com seu padrinho que o havia eleito, Adhemar de Barros. Discursos, cantoria, discursos. Quando a transmissão terminou, um dos espectadores que estavam na rua comentou para os outros: “Mas que coisa chata! Não vai pegar.”

O programa de inauguração estava sendo preparado há mais de um ano. Cada equipamento era testado, cada minuto cuidadosamente ensaiado, à medida que o dia 18 se aproximava. Contam que, quando o evento terminou e ficou constatado que tudo deu certo, os câmeras, os artistas e os técnicos festejaram muito no estúdio. Aí um deles perguntou para os outros, “E amanhã? O que é que a gente faz?”

Em poucos anos, todas as casas da Rua Eça de Queiroz tinham um aparelho de TV. No começo, a gente ia assistir na casa dos Galimberti, que recebiam os vizinhos e os amigos dos filhos com prazer. Pouco a pouco sua sala foi ficando vazia, pois cada família comprava seu aparelho em prestações.

Em algumas cidades do interior, as pessoas começaram a comprar aparelhos mesmo antes de a televisão chegar lá. O caso mais curioso era exatamente o de Campo Grande, Mato Grosso, de onde eu havia vindo. Vizinho da loja de meus pais, na Rua 14 de Julho, tinha a loja do seu Elias Zahran. Os quintais de nossas casas, separados por um corredor estreito, tinham mangueiras e abacateiros cujos frutos eram compartilhados pelas crianças.

O filho mais velho do seu Elias, Ueze Zahran, havia feito um curso por correspondência de conserto de rádio no Instituto Universal Brasileiro. Quando o pai julgou que o menino já estava apto a consertar os rádios dos fregueses, cedeu a ele um espaço na loja para o jovem começar sua profissão. Ueze, porém, tinha mais vocação para negociante do que para técnico. Sabendo do sucesso da televisão em São Paulo, pegou um trem da Noroeste e depois de três dias de viagem desembarcou na Estação da Luz, foi a uma loja da Florêncio de Abreu e comprou dois aparelhos RCA 630, enormes, mas que eram os menores da época, que dariam para encaixotar e levar para o trem.

Em dois dias Ueze vendeu os aparelhos, com a promessa de que brevemente Campo Grande receberia uma antena da TV. Voltou para São Paulo e, com o dinheiro arrecadado, comprou mais três aparelhos. E assim sucessivamente durante um ano.

Ao fim desse período, os compradores, que já eram centenas, começaram a reclamar que ligavam os aparelhos, mas não acontecia nada, só riscos. Desesperado com a expectativa de ter de devolver o dinheiro para os fregueses, Ueze veio mais uma vez a São Paulo e não esperou para pedir uma reunião com Walter Clark, invadiu sua sala na Rua Nestor Pestana e explicou seu problema.

Ueze sempre foi uma pessoa simpática e muito persuasiva. Walter Clark propôs-lhe então que, se ele montasse um equipamento de transmissão em Campo Grande e levantasse uma antena, Walter mandaria de trem as fitas das novelas e de alguns programas gravados a cada noite.

Ueze correu de novo à Rua Florêncio de Abreu — e aí o seu curso de rádio da Escola Universal foi de valia —, descobriu quem vendia as peças daquele equipamento, arranjou um amigo para ajudar a montá-los, voltou a Campo Grande e ergueu uma antena rudimentar.

Em pouco tempo as fitas começaram a ser mandadas de avião. Dia a dia a audiência aumentava, Ueze vendia mais televisores e, com o auxílio dos irmãos, dos filhos e de amigos, começou a produzir os próprios programas.

Hoje a TV Morena é uma potência no Centro Oeste, e Ueze acabou dono do mais importante de criação de cavalos árabes do continente, de emissoras de rádio, da Copagás (que acabou se associando com a Petrobrás) e de vários outros negócios.

Citei esse caso do Ueze Zahran porque essa é a história do Brasil nos últimos 70 anos. E a influência da televisão informando as pessoas, mostrando cenários bem feitos, educando, ensinando como se fala direito, como se escova os dentes, como se alimenta bem, lutando por causas sociais e enriquecendo o país.

Ela é o produto de gente que acredita no trabalho — Assis Chateaubriand, Blota Junior, Edmundo Gregorian (pioneiro dos talk shows), Roberto Marinho, Silvio Santos, Boni, Walter Clark, Otávio Florisbal, Gilberto Leifert, Maria Adelaide Amaral, Walcyr Carrasco, Jô Soares, e tantos. Tantos outros, inclusive, na área das agências, das produtoras, dos fornecedores em geral, desde carpinteiros, maquiadores, costureiras e cenaristas.

Nesses 70 anos foram milhões de brasileiros trabalhando sério, para ganhar a vida, mas principalmente, para fazer do Brasil um país mais civilizado.

Publicado no dia 31 de agosto.

https://propmark.com.br/opiniao/eu-vi-nascer-a-televisao-no-brasil/



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